Relator do Plano Diretor recua de verticalização nos bairros de SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na laje do Palácio Anchieta, sede da Câmara Municipal localizada no centro de São Paulo, o vereador Rodrigo Goulart (PSD) aponta para o prédio mais alto da cidade. Inaugurado neste ano no Tatuapé (zona leste), o edifício Platina 220 é facilmente avistado de longe devido aos seus 172 metros. “Poderíamos ter mais prédios como aquele, em vez de apenas um”, diz Goulart.

Em entrevista realizada nesta terça-feira (20) em meio aos ajustes finais da lei de revisão do Plano Diretor paulistano, o relator do texto reafirmou sua posição a favor do maior adensamento construtivo no município, com foco no melhor aproveitamento possível dos terrenos. Ele admitiu, porém, que as críticas à proposta aprovada na primeira votação no Legislativo, em maio, o fizeram recuar em diversos pontos mais permissivos à verticalização.

A principal polêmica dessa discussão é sobre o tamanho da área no entorno das estações de metrô e de trem onde deve haver estímulo financeiro para a construção dos espigões.

Sem consenso sobre o tema, a segunda votação foi adiada pela segunda vez nesta semana. Passou da próxima sexta-feira (23) para a segunda (26). Antes, a deliberação estava marcada para esta quarta (21).

MIOLO DE BAIRRO

Goulart também irá retirar do texto a regra que aumentava o volume das construções em relação ao tamanho do terreno nos miolos de bairro, como são chamadas as áreas mais distantes dos corredores de ônibus e estações de trem e metrô.

O texto aprovado pelos vereadores ampliava o coeficiente de aproveitamento de duas vezes para três vezes a área do terreno nessas localidades, o que na prática permitiria prédios mais altos em locais onde outras leis, como o zoneamento ou tombamentos, não fizessem restrições.

VILAS

Conjuntos de casas caracterizados como vilas dentro das áreas de influência dos eixos serão excluídos das regras que estimulam o adensamento na nova proposta.

“A exclusão das vilas é uma grande questão levantada em praticamente todas as audiências públicas”, disse o vereador.

EIXOS

Chamados de eixos de estruturação da transformação urbana, a área de 300 metros nas laterais dos corredores de ônibus e o raio de 600 metros no entorno das estações metroviárias e ferroviárias permitem a construção de prédios com um custo mais baixo. Nesses locais a prefeitura abre mão da outorga onerosa, que é a taxa cobrada para construir acima do tamanho do terreno.

No texto aprovado em primeira votação, a área de influência dos corredores de ônibus sobe para 450 metros e o perímetro no entorno das estações de trem e metrô avançam para 1.000.

Nesta semana, após negociações com base e oposição, Goulart anunciou que a área no entorno das estações seria reduzida para 800 metros, mas ainda não há consenso e este raio poderá ser novamente diminuído.

“A polêmica que dominou as discussões é o tamanho dos eixos. Esses prédios mais altos deveriam estar mais próximos ou não do transporte”, comenta Goulart.

VAGA DE GARAGEM

Nos eixos, Goulart confirma que devolverá ao texto uma regra incluída na revisão pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) que desestimula a oferta de vagas de garagens para apartamentos com menos de 30 metros quadrados, os chamados microapartamentos.

O trecho que retorna para a proposta condiciona os imóveis de uso misto, amplamente utilizada para a construção de microapês, à imposição da inclusão dessa vaga na área sobre a qual a prefeitura pode aplicar a outorga.

HABITAÇÃO SOCIAL

O vereador ressaltou que a lei aumentará o incentivo fiscal para a construção de moradia para os mais pobres. A principal regra para isso, segundo ele, um aumento de 25% a 50% no limite de construção dos prédios, desde que sejam destinados a famílias de até 10 salários mínimos.

As construtoras também terão desconto nas taxas se atenderem a faixa de renda mais baixa, até três salários. Esses empreendimentos podem abater 50% da área construída computável, que é usada para calcular a outorga onerosa paga à prefeitura.

Além disso, pela primeira vez o Plano Diretor deve permitir o aluguel de HIS (Habitação de Interesse Social) e HMP (Habitação do Mercado Popular) para o público-alvo. A regra limita o preço cobrado pelo aluguel a até 25% da renda da família pela locação.

Goulart diz que nunca viu o aluguel de moradia social ser permitido em programas habitacionais no Brasil, mas que há exemplos no exterior.

“Eu sei que fora do país, sim [existe a locação de moradia popular], na Europa. E em Nova York é um dos modelos que tem bastante sucesso, e inclusive aqueles prédios ao lado do Central Park, parece que funciona bastante nesse modelo de locação”, diz.

Ele ressalta que os detalhes de como a regra vai ser aplicada serão definidos pela prefeitura. Goulart defende que o aluguel vai ampliar o acesso a moradia a mais famílias. “Tem famílias que não têm condição de comprar [imóvel], até por problemas bancários, não conseguem ter acesso a crédito. Vamos impedir dele morar num lugar que é habitável, que tem todas as condições para isso?”, questiona.

FUNDURB

A oposição na Câmara Municipal criticou fortemente a possibilidade de usar dinheiro do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano) para recapeamento de ruas e avenidas. Essa permissão, no entanto, está mantida no texto.

Essa possibilidade chegou a ser proposta em outro projeto de lei da gestão Ricardo Nunes (MDB) e foi suspensa pela Justiça de São Paulo. Agora, foi incluída por Goulart na revisão do Plano Diretor.

O relator também criou porcentuais mínimos para o uso do Fundurb em habitação social. Dentro do valor destinado a programas habitacionais, o texto cria um gasto mínimo de 10% do valor do fundo em regularização fundiária e reurbanização de favelas, com prioridade para áreas de risco e áreas de mananciais.

“Isso é uma coisa que poucos falam: nós incrementamos o valor mínimo destinado a habitação. Era 30% e aumentamos para 40%”, diz. “Muito se fala na defesa de tudo isso, mas nunca ninguém tinha colocado num texto de Plano Diretor. A partir de agora, uma das diretrizes é o investimento para urbanização, regularização [fundiária], áreas de risco e mananciais.”

OUTORGA ONEROSA

A principal mudança em relação ao Fundurb, também um recuo em relação ao texto aprovado em primeira instância, é sobre a forma de pagamento da outorga onerosa –taxa que a prefeitura cobra para construir mais do que o tamanho do terreno.

O projeto permitia que se pagasse a taxa devida na forma de obras urbanísticas, a valor de mercado, e não apenas em dinheiro. Essa possibilidade agora deve ser retirada.

Questionado se a grande quantidade de mudanças desagradaria o setor imobiliário, Goulart respondeu que não sabia. “Não sei porque eles não estiveram [nos debates], pelo menos não participaram das audiências.”

LOTES E QUADRAS

Outro recuo do relator é na maneira como pode ser desenhada a área dos eixos de transporte, onde a verticalização é liberada. Hoje a lei manda que as mesmas regras sejam aplicadas em todo o quarteirão.

O texto aprovado em primeiro turno permite que terrenos vizinhos de uma mesma quadra possam ter regras diferentes: um ficaria sem limite de altura, o outro seria mantido como é hoje. Especialistas dizem que isso abriria brecha para especulação e corrupção ao definir a nova área dos eixos de transporte.

“Gerou tanto questionamento, só se falava em lote, lote e lote, que resolvemos que será por quadras [como é hoje]”, explica o vereador.

CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress

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