BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As fraudes contábeis nas Lojas Americanas que resultaram em um rombo de R$ 20 bilhões se estenderam desde pelo menos 2007, aponta a investigação Polícia Federal.
A informação sobre o período das irregularidades foi fornecida pela delação premiada da ex-responsável pela Controladoria da empresa, Flávia Carneiro, que fechou acordo com o MPF (Ministério Público Federal). Além de Flávia, o ex-executivo Marcelo Nunes também assinou uma colaboração.
Com base nas delações e outras informações, a PF deflagrou nesta quinta (27), a operação Disclosure.
Entre os alvos está o ex-CEO Miguel Gutierrez, que tem contra ele mandado de busca e de prisão preventiva. Também tem ordem de prisão contra si a ex-diretora Anna Saicali. Gutierrez, que tem cidadania espanhola além da brasileira, e Saicali deixaram o Brasil e são procurados.
Flávia Carneiro entrou na companhia em 2007 e afirmou em seu acordo que logo no início encontrou inconsistências contábeis. Ao reporta-los e receber respostas inconclusivas, disse ela, percebeu que se tratava de um modus operandi da direção da empresa.
De acordo com seu depoimento, o orçamento era na verdade uma meta a ser atingida, sem reflexo na realidade e baseado no ano anterior, que também não era real. Segundo ela, isso criou uma “bola de neve” que foi aumentando o tamanho da fraude.
O balanço da empresa era inflado a partir de diversas rubricas, como o risco sacado e a verba de propaganda cooperada.
O risco sacado é uma operação normal no varejo no qual a empresa faz um empréstimo com um banco para pagar o fornecedor. Com isso, ganha condições melhores para gerir seu fluxo de caixa, entre outros. A fraude nas Americanas consistia em lançar incorretamente essa informação no balanço.
A verba de propaganda cooperada é um valor recebido pela varejista para fazer promoções ou para expor melhor determinados produtos. Nesse caso, a Americanas lançava valores fictícios para melhorar seu balanço.
A investigação da PF se baseia nas delações premiadas de Flávia Carneiro e do ex-executivo Marcelo Nunes, em documentos fornecidos por eles para corroborar a delação e em provas obtidas a partir de quebra de sigilos.
Uma dessas provas mostra que existiam duas planilhas diferentes, uma com a situação real da empresa e outra com o que seria apresentado para o mercado.
A operação desta quinta não envolve o trio de bilionários sócios de referência da empresa, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles.
A investigação desenvolvida pela PF mostrou que as irregularidades praticadas pelo ex-funcionários da empresa tinham como finalidade alcançar metas financeiras internas e fomentar bonificações. Por outro lado, a ação dos investigados manipulava e aumentava de forma ilícita o valor de mercado das ações da empresa.
São investigados os crimes de manipulação de mercado, uso de informação privilegiada, associação criminosa e lavagem de dinheiro. Em caso de condenação, as penas chegam a até 26 anos de reclusão. As medidas da operação policial desta quinta foram autorizadas pela 10ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
Como mostrou a Folha, 11 ex-executivos da empresa venderam mais de R$ 250 milhões a partir de julho de 2022, quando Gutierrez foi informado que Sergio Rial assumiria seu lugar no comando da empresa.
A informação é utilizada pelos investigadores para enquadrar Gutierrez e outros investigados no crime de uso de informação privilegiada.
O crime de uso de informação privilegiada, também chamado de insider trading, se dá quando a pessoa usa uma informação relevante, ainda não divulgada ao mercado, e a qual somente tem acesso devido ao cargo ou posição para obter algum tipo de lucro.
Redação / Folhapress