GUARULHOS, SP (FOLHAPRESS) – Foi a quinta parada em apenas três dias. E, para muitos, a última. Depois de enfim chegar ao Brasil após semanas de um imbróglio diplomático, a maior parte dos repatriados da Faixa de Gaza desembarcou em Guarulhos, em São Paulo, nesta quarta-feira (15), feriado de Proclamação da República, e pretende seguir no estado.
Na Base Aérea de São Paulo, que recebeu 26 dos 32 resgatados de Gaza, as cenas eram de reencontros, e os relatos, de alívio. Dezessete deles foram levados para um abrigo em um município do interior paulista, e os demais seguiram para casas de amigos e familiares.
A cidade não foi informada pela Secretaria Nacional de Justiça, que comanda essa parte da operação, para prezar pela segurança dos repatriados atos islamofóbicos, bem como antissemitas, têm crescido no Brasil e no mundo desde o eclodir da guerra Israel-Hamas.
A família do menino Bader Monir, 11, reencontrou uma amiga de longa data: a brasileira Gildete Santana, da ONG IKMR (I Know My Rights), que trabalha com migrantes. O primogênito, os pais e os dois irmãos menores, de 9 e 4 anos, participaram de programas da organização entre 2016 e o início deste ano, período em que viveram no Brasil.
Em janeiro, a família foi ao Egito e, no mês seguinte, a Gaza, até que esta guerra teve início. Emocionada, Gildete correu para abraçar as crianças, que em breve devem retornar à sala de aula. “O território não nos define aqui no Brasil; que eles sejam muito bem-vindos de volta”, disse ela. Ao seu lado, a matriarca Noura, 37, repetiu o que muitos ali disseram: “Estamos muito felizes. Agora estamos seguros, sem medo”.
E Bader, segundo uma camisa do Corinthians, já sabe que caberá a ele a tarefa de ajudar os pais e os dois irmãos menores a se comunicarem em português. O menino diz que mesmo antes da guerra começar em sua terra natal, já tinha saudade do Brasil. Em especial dos amigos que fez na escola, com os quais ainda se comunicava por mensagens no celular. “Estou muito grato ao Brasil. É muito bom estar de volta, seguro.”
O também palestino-brasileiro Mahmoud Abouhalob, 40, disse que a operação feita pelo governo para retirá-los reforça sua identidade como brasileiro. “Com isso sabemos que o Brasil não vai nos deixar; eu vi o que aconteceu com outras nacionalidades, mas com o Brasil, nós tivemos ajuda”, afirmou pouco após descer do avião.
Os planos ainda são incertos, mas do que conversou com o grupo que a acompanhou desde Gaza, Shahed al-Banna, 18, a palestino-brasileira que quase diariamente relatava os acontecimentos da guerra em vídeos e chegou ao Brasil com a irmã e a avó, acredita que muitos não terão outra escolha a longo prazo além de permanecer. “A maioria perdeu suas casas e membros de sua família. Não resta nada em Gaza.”
Shahed era outra que aguardava um reencontro: com a amiga Alice, 19, com quem estudou no Brasil. As duas se abraçaram após mais de um mês de conversas no celular interrompidas pelos cortes de energia em Gaza. “Espero que agora tenhamos um pouquinho de paz, diz Shahed, que planeja entrar na universidade. “Ainda não sei o que cursar, mas estou gostando dessa coisa do jornalismo.”
Ao lado dos filhos Somaya, 13, e Adam, 12, o também repatriado Mohamed Farhat, 44, lembrou os que ficam em Gaza: “Penso em todos que seguem sofrendo por essa catástrofe humanitária. Nunca vou esquecer essa guerra. Minha vida foi ameaçada.”
Hasan Rabee, 30, outro dos palestino-brasileiros que costumava fazer vídeos relatando a situação do grupo em Gaza, disse estar feliz, mas também exausto da jornada. À reportagem ele disse que desde esta terça-feira (14) tem recebido muitas ameaças online.
O motivo é uma postagem que ele fez em uma rede social em 2015 e recentemente voltou à tona Rabee apagou-a pouco depois que os internautas redescobrirem-na. Na publicação, sugere que aquele era o “momento certo de explodir ônibus em Israel”.
“Estão usando a foto para nos calar, é isso que querem; eu era um dos únicos que estavam falando [sobre a crise humanitária vivida na Faixa de Gaza em meio aos ataques de Israel hoje]”.
No abrigo para o qual 17 dos repatriados foram levados de ônibus, ao lado de intérpretes e de funcionários da OIM, o braço da ONU para migrações, e do Acnur, agência para refugiados da organização, os repatriados concluirão sua regularização migratória e serão inscritos em programas sociais de acordo com as necessidades de cada um, informa o secretário nacional de Justiça, Augusto Botelho.
Segundo ele, não há prazo para o encerramento da ação de apoio do governo brasileiro a essas pessoas. Rodrigo Portela, membro da secretaria que acompanhou o grupo no voo, disse à reportagem que empresas já têm os procurado para oferecer vagas de trabalho aos refugiados. E que outra das ações do governo será, de acordo com a vontade de cada um, ajudá-los a acessar o ensino superior.
As missões de repatriação de brasileiros que estavam na região do Oriente Médio quando teve início o conflito tiveram início cerca de dois dias após as hostilidades. Ao todo, foram repatriados 1.477 passageiros muitos vieram com seus animais de estimação, de modo que 53 pets também viajaram em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).
Quase todos os voos partiram de Israel. O último, com o grupo de 32 brasileiros que estavam em Gaza, partiu do Egito na segunda (13), depois de dias de incerteza para que pudessem cruzar a passagem de Rafah, que separa o país do norte da África da faixa palestina, em segurança. Da fronteira, o grupo foi transferido até a capital, Cairo, por terra até embarcar no avião da FAB na viagem rumo ao Brasil.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress