SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A possibilidade do contrato de concessão da Enel na cidade de São Paulo ser rescindido depende de ficar provado que a empresa é a responsável pelas seguidas falhas na rede elétrica ou que ela não pagou as multas aplicadas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que o processo é complexo e que a rescisão é uma medida extrema. Parte deles considera que existem elementos para o rompimento do contrato, enquanto outros consideram que não há motivos para isso.
Caso a concessão seja interrompida, caberia ao governo federal assumir o serviço na cidade ou indicar de maneira emergencial uma nova empresa para a função até a realização de uma licitação.
O Ministério de Minas e Energia solicitou nesta segunda (1º) a abertura de um processo na Aneel que pode levar ao rompimento do contrato com a Enel. O atual compromisso tem validade até 2028.
A empresa tem enfrentado uma série de críticas devido aos seguidos apagões em São Paulo.
O ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energias, disse à Globonews que a empresa tem mais de R$ 300 milhões em multas não pagas. Já a empresa afirma que já pagou R$ 55 milhões desse montante, e que entrou com recurso contra o restante.
Com o pedido do ministério, a Aneel irá conduzir um processo administrativo no qual a Enel terá um prazo para se defender. Se a concessionária não conseguir se explicar, o governo federal poderá entrar com o pedido de caducidade –ou seja, a extinção do contrato.
“A empresa geralmente tem um prazo de 20 dias para prestar esclarecimentos. Ao final do processo na Aneel, o governo poderá pedir a caducidade e abrirá uma nova licitação”, afirma a advogada Danielle Franco, especialista em direito administrativo.
A caducidade, segundo o professor de administração pública Alvaro Martim Guedes, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), é uma medida rigorosa e só pode ser viabilizada após decreto do governo federal.
“Com a extinção do contrato, a administração pública faz nova licitação e, enquanto isso, assume a responsabilidade pelo serviço”, afirma Guedes.
“Vai ser um procedimento bastante difícil para Enel se defender. Os fatos [com as quedas de energia] tomaram uma dimensão muito grande”, diz ele.
Já o engenheiro Cláudio Salles, presidente do Instituto Acende Brasil, a afirmação do ministro é descabida e não há indicadores para o governo exercer a caducidade.
“O processo [de rescisão] só faz sentido quando a empresa comprovadamente está descumprindo o contrato. Mais do que isso, ela mostra ser incapaz para cumpri-lo”, afirmou Salles. “Em novembro os eventos climáticos foram extremos. A falta de energia em março é preciso ser analisado quais as responsabilidades. São episódios que não configura quebra de contrato.”
O instituto tem a Enel como cliente, de acordo com lista disponibilizada em seu site.
O advogado Aurélio Marchini, sócio do Marchini Botelho Caselta Advogados, pondera que a caducidade só poderá ser formulada após uma série de discussão. “Serão muitos questionamentos levados em conta. Se houve falta de investimentos, se as falhas são sucessivas”, diz.
Para a economista Joisa Dutra, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a rescisão é bastante complexa. “Estamos falando de uma concessão que atende mais de sete milhões de consumidores”, alerta a economista.
“Existe a possibilidade, mas é a punição mais extrema e que deve ser precedida de um processo legal. Após tudo isso, a Aneel faz uma recomendação para o Ministério de Minas e Energia sobre a caducidade ou não”, afirma a economista.
Uma possibilidade é que a Enel poderá apresentar uma outra empresa, como acionista, e que ficará responsável pelo contrato. Neste caso, o governo deve concordar com a transferência e ser convencido de que a nova empresa terá condições e qualificações para prestar o serviço.
Segundo o advogado Rafael Marinangelo, especialista de licitação, se o contrato com a Enel for rompido cabe ao Ministério de Minas e Energias assumir a prestação do serviço. “O governo poderá, neste caso, fazer um contrato emergencial e provisório. Por isso é uma medida bastante extrema, envolve toda essa logística e não é um serviço tão simples para assumir”, conta o advogado.
Após as declarações do ministro, a Enel se manifestou através de uma nota na tarde desta segunda. A concessionária diz que desde 2018, ao assumir o serviço em São Paulo, investiu R$ 8,36 bilhões, com média de cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, quase o dobro da média anual de R$ 800 milhões realizada pelo controlador anterior.
“Em relação à concessão de São Paulo, a distribuidora esclarece que cumpre integralmente com todas as obrigações contratuais e regulatórias e está implementando um plano estruturado que inclui investimentos no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede”, afirmou a empresa.
Em nota, o Governo de São Paulo disse que Tarcísio de Freitas (Republicanos) se reuniu com Silveira na semana passada e sugeriu o encaminhamento do pedido de caducidade.
“Desde novembro de 2023, o governador vem se manifestando publicamente em relação às graves falhas no serviço prestado pela Enel em São Paulo”, diz a nota. “Em janeiro deste ano, defendeu que o contrato da concessionária não fosse renovado pela União e também alertou a Casa Civil federal sobre os riscos de uma eventual prorrogação do atual acordo.”
Já o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), afirmou que a decisão do ministro é acertada, porém, tardia. “Chegou o momento de o governo federal entender o sofrimento dos clientes da Enel em São Paulo. É perceptível que a Enel não tem condições de tocar esse processo.”
Redação / Folhapress