Resgatado em Canoas (RS) perde tudo para salvar a mãe e a filha

PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – A temperatura de quase 30ºC e o sol que tomou conta do céu de Porto Alegre nesta terça-feira (7) contrastavam com o que o Rio Grande do Sul viveu nos últimos dias por causa das chuvas, que já deixaram ao menos 95 mortos no estado, segundo o último balanço.

Na capital, que vê o avanço do lago Guaíba tomar novos territórios, abrigos recebem pessoas resgatadas de regiões mais afetadas e municípios vizinhos.

No pátio do Colégio Estadual Júlio de Castilhos, que passou a receber resgatados e doações, André Ramos, 44, foi um dos primeiros a chegar, após ser socorrido no bairro Matias Velho, em Canoas (RS).

Sentado em um banco, sozinho, André tem movimentos lentos enquanto conversa, acompanhado de uma fala também vagarosa. “Está tudo um desastre”, diz.

Trabalhador da construção civil, ele levou a filha de três anos para ficar aos cuidados da avó, sua mãe. Quando retornou para casa, a água já estava subindo.

Sem pensar em fechar janelas ou o cadeado da frente, saiu como conseguiu até ser levado pela correnteza. Foi socorrido e conseguiu ir com o barco até a casa da mãe, onde foi possível resgatá-las e levá-las em segurança até uma residência segura, em uma das poucas áreas não atingidas de Canoas.

André seguiu então para Porto Alegre, mas a obra em que trabalha foi paralisada pelo racionamento de água. Sem poder voltar para Canoas por enquanto, ficou no “Julinho”, o colégio.

“Até é bom eu falar”, diz, já menos contraído, ao contar a história e descrever como tentou nadar contra a a força da enxurrada. “Falei com psicólogas aqui e disseram para falar mesmo. Aqui tem tudo, tu come a hora que quiser. Toda hora perguntam se está bem. Eu nunca tinha ido para abrigo, pensava que ganharia qualquer cobertor, mas me deram um colchão novo, no plástico.”

Ainda que seja vítima, André é também voluntário. Ele ajuda a carregar doações que chegam e atua na manutenção dos espaços do colégio.

Outro ponto de abrigo é a Sogipa. O local, contudo, está lotado, e quem é resgatado passa por lá apenas para triagem, se necessário atendimento médico, além de conseguir roupas secas e comida.

A maioria que chegou nesta terça vinha do bairro Humaitá, onde fica a Arena do Grêmio, região mais próxima a Canoas. A água atinge andares mais altos e invadiu o próprio estádio do clube gremista.

A técnica de nutrição Victoria de Oliveira, 30, está grávida de 13 semanas. Ela relembra os momentos de pânico no Humaitá.

“A água subia, quase na barriga. Vários botes pela manhã. Buscaram a gente depois que falamos que havia uma gestante”, contou. Sete pessoas foram socorridas com ela. “Não conseguíamos decidir se saíamos ou não, porque estávamos em muitas pessoas”, disse ela sobre a difícil decisão de deixar o apartamento no terceiro andar e aceitar o resgate.

Iolanda Rodrigues aguardava a amiga em frente à Sogipa após ter sido resgatada. Ela contou rapidamente que ficou no seu apartamento no terceiro andar e recebeu duas vizinhas dos andares mais baixos. Outros moradores do terceiro piso ficaram sem ter como cozinhar, e 15 pessoas chegaram a jantar juntas.

A idosa deixou de compartilhar seu relato quando sua amiga chegou para buscá-la. Um abraço apertou as lágrimas até então contidas da moradora do Humaitá.

No centro comunitário Vila Floresta, resgatados de Eldorado do Sul (RS) chegavam em um helicóptero da Marinha. O veículo pousou em um campo de futebol onde as pessoas eram recebidas por voluntários.

Uma estação de doações foi montada no local –a função da aeronave é levar mantimentos, principalmente água, para quem continuou no município.

Após a recomendação de evacuação dos bairros Cidade Baixa e Menino Deus, que tiveram ruas invadidas pelas águas do lago Guaíba, moradores de Porto Alegre congestionavam as saídas da cidade rumo ao litoral.

A sugestão foi dada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) e fez com que o trânsito ficasse parado nas rodovias RS-090 e RS-118, únicas vias disponíveis para deixar a capital gaúcha.

A previsão é que a chuva volte à região metropolitana a partir desta quarta-feira (8). Até a água do Guaíba escoar completamente, são esperados dez dias.

LEONARDO CATTO / Folhapress

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