‘Revoada’ vê crepúsculo do cangaço em filme irregular e simpático

FOLHAPRESS – “Revoada” se propõe como espetáculo popular sobre o fim do cangaço no Nordeste brasileiro. Lampião já está morto. Resta o pequeno grupo de cangaceiros de Lua Nova e Gavião, disposto a vingar a morte cruel do líder.

À parte alguns glauberrochismos um tanto dispensáveis, o filme começa por evocar um pouco os filmes do ciclo do começo dos anos 1960 dedicados à guerrilha e ao banditismo da era Vargas. E vai tradicionalmente, com as declarações de valentia e, simultaneamente, religiosidade dos cangaceiros. Alguma verborragia e bazófia fazem parte do gênero, ao menos como nos chegou através do cinema.

Não tem o alcance, obviamente, das incursões de Glauber ou, mais recente, de Geraldo Sarno em torno do assunto. Tem, em troca, a virtude da clareza, da linguagem fluente, da modéstia. Essas são virtudes mais bem assimiladas pelo público que frequentou as salas de cinema até os anos 1970 e 1980, antes que o consumo de filmes em salas se tornasse um bem mais caro. Mas é possível que atinja seu público em janelas como a televisão ou o streaming.

O grupo de Gavião e Lua Nova é pequeno, assim como a produção. Representa adequadamente o momento crepuscular do cangaço, e a violência vingativa marca a primeira ação do grupo, contra um engenho que, em linhas gerais, pode representar e resumir a posição dos senhores de terra da região.

Para os grandes proprietários, sugere o filme, não há meio termo, nem nada que justifique o bando: são um grupo de bandidos da pior espécie e ponto. Quanto a Lampião e Maria Bonita, que alegria foi vê-los mortos e com as cabeças cortadas pela gente do governo.

É bem isso, aliás, o que diz a altiva mulher que encontram na casa grande. Em troca dessa altivez, ela será estuprada com violência diante das câmeras. Enquanto isso, alguns do grupo aproveitam, bebem anarquicamente o leite de alguma vaca que estava à mão por ali e tal e coisa.

A modéstia da produção expõe, o que é bom, a modéstia do grupo, que se vê perseguido e um tanto perdido entre o objetivo inicial (vingança em geral) e a cobiça individual (vários querem ficar com o produto dos roubos e desaparecer).

O risco de dispersão ronda o bando, tanto mais que sinais se mostram mais frequentes da iminência de um grande assalto dos “macacos”, como eles chamam os membros da volante que os combatia.

Esses sinais surgem tão módicos quanto a metralhadora que liquida um dos cangaceiros e sua parceira, enquanto se banham nus em uma lagoa. O filme traz um discreto apelo sexual, nada ostensivo, aliás.

Da mesma forma, um automóvel com rostos irreconhecíveis surge de tempos em tempos avançando pela paisagem, e é a metonímia das forças de repressão —o automóvel ameaçador é uma espécie de Antônio das Mortes glauberiano: basta um para vermos ali os chefes de uma tropa capaz de eliminar muitos homens armados. Nesse momento do filme, acentue-se a precariedade da produção, que torna um pouco desajeitados os ataques da gente do governo —ou dos governos, o federal, o estadual— contra o cangaço.

É também o momento em que o grupo de sertanejos, em fuga, refugia-se em belíssimas formações rochosas. Ressalte-se que as locações são um ponto forte do filme de José Umberto Dias (conhecido por seu importante documentário sobre Dadá, a viúva de Corisco) e permitem que se explore a paisagem.

Se existe outro mérito a assinalar em “Revoada” é ser um filme que dribla com dignidade os recursos de produção um tanto parcos e consegue oferecer a um público que não exija muito mais que diversão, um produto irregular, porém simpático e que se deixa ver sem dificuldade.

Por fim, filmado originalmente em 2008, o filme sofreu inúmeros percalços na pós-produção e foi concluído apenas em 2023. A assinalar, assinando a montagem desta versão, os nomes de Severino Dadá e André Sampaio, pai e filho, montadores de destaque, a quem se pode creditar a fluidez da narrativa.

Revoada

Avaliação Regular

Quando Em cartaz nos cinemas

Classificação 16 anos

Elenco Jackson Costa, Annalu Tavares, Nelito Reis

Produção Brasil, 2008

Direção José Umberto Dias

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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