SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Com uma jazida rica em sal-gema, comunidades quilombolas do norte do Espírito Santo temem o início da exploração do minério e que a ação tenha um resultado parecido com a extração realizada pela Braskem, responsável pelo desastre em Maceió.
O Espírito Santo tem a maior jazida do mineral na América Latina. A presença do sal-gema no estado foi descoberta na década de 1970, enquanto a Petrobras perfurava os entornos do município de Conceição da Barra em busca de petróleo, revelando 110 mil hectares e quase 20 bilhões de toneladas do minério.
“Uma dimensão bem grande passa por dentro de várias comunidades quilombolas. O impacto que a gente sofre hoje é psicológico, porque a gente sabe os desastres que são causados durante e pós-extração do minério”, diz Douglas Alexandre, vice-presidente da Associação da Comunidade Quilombola Córrego do Alexandre.
A comunidade fica no município de Conceição da Barra e faz parte da região conhecida como Sapê do Norte, que abarca cerca de 100 comunidades quilombolas, conforme o mapa de conflitos da Fiocruz. Além de Córrego do Alexandre, outras áreas estão em regiões ricas do sal-gema, como o quilombo Morro da Onça.
Ambas as comunidades são certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Córrego do Alexandre aguarda titulação pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) desde 2015, enquanto Morro da Onça, desde 2017.
“Ainda não começou a exploração, mas o que eles estão fazendo são leilões dos blocos de sal-gema. Eles estão querendo explorar, só que a maior parte está embaixo do território das comunidades”, relata Josielson dos Santos, morador.
O último leilão foi realizado em 2021, quando 11 áreas de sal-gema no Espírito Santo foram ofertadas pela ANM (Agência Nacional de Mineração) e arrematadas pelas empresas Dana Importação e Exportação, José Augusto Castelo Branco, Pedras do Brasil Comércio Importação e Exportação e a Unipar Carbocloro.
À época, o MPF (Ministério Público Federal) emitiu uma recomendação à ANM de suspensão de “todo e qualquer processo envolvendo procedimentos de disponibilidade de áreas para exploração de sal-gema, que possuam sobreposição com posse de comunidade quilombola ou com territórios quilombolas em processo de demarcação no norte do Espírito Santo”. As atividades, portanto, não continuaram nas áreas em questão.
Segundo Josielson dos Santos, outros tipos de interferências externas na terra já prejudicaram a área do quilombo, como a monocultura de cana-de-açúcar e eucalipto que afetou matas e rios.
“Se vier esse sal-gema, aí que vai destruir nosso território. Nós, como povos tradicionais, lutamos há décadas para recuperar o que foi destruído”.
Hoje, as quatro empresas estão atuando apenas em pesquisas na região, mas ainda não existe exploração, segundo a Secretaria de Meio Ambiente do Espírito Santo. O estudo está sendo feito em áreas não quilombolas, e a previsão é de que sejam finalizados entre 2024 e 2025. Somente depois desse período é que as discussões sobre a exploração poderão ser retomadas.
“O sal-gema, especificamente a extração dele, deixa uma cavidade, uma parte oca embaixo na subsuperfície que é crucial”, explica Luiza Bricalli, professora da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e doutora em geologia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“O problema da questão é a subsidência, que é: o terreno cede, desce. As casas ao redor acabam sofrendo porque elas não são preparadas para essa instabilidade, elas são preparadas para ficar em um local estável”, diz ela.
Em maio deste ano, a Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados realizou audiência pública sobre a exploração e extração de sal-gema, mas nenhuma proposta chegou a ser feita.
“Essa é uma camada de sal que foi formada há mais ou menos 120 milhões de anos, que vem desde a bacia de Santos até mais ou menos Pernambuco”, diz Mario de Lima Filho, geólogo e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). “Eles têm a mesma origem, porém as espessuras deles são bem diferentes.”
A chamada lavra, conjunto de operações para o aproveitamento de uma jazida, é feita de forma diferente a depender da espessura do sal, conforme explica o professor.
“A lavra que ocorre em Sergipe é bem diferente da lavra que ocorre, por exemplo, em Alagoas, porque o sal de Alagoas não tem uma espessura muito grande. O processo de retirada da substância mineral não pode se dar através de mecanismos subterrâneos, então se usa a dissolução.”
Os sais encontrados nas duas regiões são utilizados na indústria petroquímica para a produção de PVC, cloro, ácido clorídrico, soda cáustica e bicarbonato de sódio, por exemplo.
“A grande questão das extrações de recursos naturais no Brasil é que têm que ser sistematizadas. O caso de Maceió foi falta de monitoramento”, aponta Luiza Bricalli.
Os especialistas reforçam que é preciso evitar essas explorações próximas a regiões com moradores, como em Maceió e no norte do Espírito Santo.
“A proteção dessas comunidades quilombolas deve ser uma prioridade. O mapeamento e diagnóstico prévio do terreno são fundamentais para garantir não apenas a segurança na extração, mas a preservação das comunidades ao redor”, diz a professora.
“Monitoramento deve ser feito antes, durante e depois da extração. Não pode fechar a mina depois de extrair tudo e não continuar o monitoramento. A sociedade precisa entender que extrair sem considerar as consequências é um equívoco. Devemos explorar de maneira consciente e responsável.”
MARIANA BRASIL / Folhapress