RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Rio de Janeiro cresceu ao redor de lagoas e por cima de rios, brejos e manguezais. Estudos estimam que somente a baía de Guanabara já perdeu dois terços da cobertura original dos mangues desde o início do povoamento na cidade. Há pressa para reverter a destruição.
A prefeitura lançou no início de junho o programa Guardiões do Mangue, que pretende usar moradores para salvar os manguezais que restaram na capital. Enseadas da baía de Guanabara, lagoa Rodrigo de Freitas, Guaratiba e as margens das lagoas da Barra são alguns dos locais de atuação dos guardiões.
Os 40 convocados da prefeitura para o Guardiões do Mangue vão receber uma bolsa auxílio mensal de R$ 1.000. Os líderes de cada um dos dez grupos receberão R$ 1.250.
Escolhidos por grupos locais, como associações de moradores, igrejas e movimentos sociais, eles serão responsáveis por capinar e limpar a área, retirando resíduos sólidos, além de reportar aos órgãos de fiscalização situações fora da ordem, como o descarte irregular de lixo, captura ilegal de espécies e construções irregulares.
“O nosso norte é trazer os moradores das comunidades para a assistência e o cuidado nas áreas verdes, pela vivência que eles já têm com o lugar. A ideia é que, como eles já desejariam cuidar desses espaços voluntariamente, a gente consiga assisti-los”, diz Artur Sampaio, subsecretário de Meio Ambiente e Clima do Rio.
Já o governo do estado prevê, para este semestre, a criação de um plano estadual de restauração e conservação dos manguezais.
O manguezal é encontrado na transição entre ambientes terrestres e marinhos, em regiões que sofrem influência das marés. Nesta quarta-feira, 26 de julho, é celebrado o Dia Internacional para Conservação dos Manguezais.
No Rio de Janeiro, das favelas aos condomínios caros, os mangues contornam a paisagem. Muitos, porém, foram destruídos com o crescimento das cidades da região metropolitana.
“A degradação do mangue pode levar ao desaparecimento de diversas espécies. Embora no Brasil não tenhamos grandes eventos catastróficos como ciclones e furacões, o mangue é a vegetação que protege efetivamente a costa contra esses fenômenos”, afirma o oceanógrafo Julio Wasserman, professor da UFF (Universidade Federal Fluminense).
Na cidade do Rio, a principal porção de mangues ficou na zona oeste, espalhada pelo Guandu, em Santa Cruz, pela reserva biológica de Guaratiba e a restinga da Marambaia. Ali também está o maior risco. A zona oeste é a região que mais cresce em população. Construções irregulares, algumas financiadas por milícias, invadem vegetações em áreas não protegidas.
No último dia 18, o governador Cláudio Castro (PL) assinou a licença ambiental para obras de dragagem nas lagoas da Barra e de Jacarepaguá, na zona oeste. A intervenção foi prometida pelo estado em 2013 para ficar pronta até a Olimpíada de 2016, mas nunca foi entregue.
A obra será realizada pela concessionária Iguá, com duração estimada em três anos. A expectativa é gastar R$ 250 milhões para remover milhões de metros cúbicos de lodo e sedimentos do fundo das lagoas. A obra promete melhorar a condição das áreas de mangues que beiram o complexo lagunar.
Na lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, onde ainda existem pequenas porções de mangues, técnicos do Inea (Instituto Estadual do Ambiente) têm apontado melhora na condição da água e a aparição de animais. Aves como quero-queros, socozinhos e colhereiros voltaram à lagoa. Caranguejos como guaiamuns, aratus-vermelhos e marinheiros apareceram de forma inédita.
Os mangues contornam também outros municípios banhados pela baía de Guanabara. Na APA (área de proteção ambiental) de Guapimirim, que abrange Magé, São Gonçalo e Itaboraí, a secretaria estadual de Ambiente, em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), restaurou 50 hectares de mangue.
Dados de 2018 do ICMBio mostram que o estado do Rio possui 13.779 hectares de mangue. Na capital restaram aproximadamente 3.000 hectares.
Mário Soares, coordenador do Núcleo de Estudos em Manguezais da Uerj (Universidade estadual do Rio de Janeiro), afirma que as políticas públicas precisam pensar na relação dos manguezais com o uso e ordenamento do território. É dele a estimativa de que a baía de Guanabara perdeu mais da metade da cobertura original da vegetação.
“Dados de 2020 mostram que 68% dos manguezais do estado estão inseridos em unidades de conservação. Isso dá a impressão de que são áreas protegidas, mas não é bem assim: apenas 22% estão em unidades de conservação de proteção integral, como reservas. Os outros manguezais estão em categorias mais vulneráveis, como as APAs”, afirma.
“Sepetiba, por exemplo, está localizada em região de expansão urbana e industrial da cidade”, destaca.
O preconceito é um dos obstáculos à conservação. “A população, mesmo os pescadores, ainda veem os mangues como áreas pestilentas, por causa do odor e da lama”, afirma Wasserman. Outros desafios são as intervenções urbanas e industriais.
Na baía de Sepetiba, quatro termelétricas flutuantes da empresa turca Karpowership operam desde outubro, apesar de ações judiciais tentarem impedir. As usinas têm capacidade para gerar 560 megawatts de energia elétrica a partir da queima de gás natural.
“Não adianta termos uma reserva biológica estadual em Guaratiba, na baía de Sepetiba, sob a gestão do Inea, e por outro lado, esse mesmo órgão licenciar empreendimentos extremamente danosos à baía, como é o caso do licenciamento de termoelétricas flutuantes”, critica Wasserman.
O Inea diz que a licença foi concedida porque, de acordo com as vistorias técnicas realizadas, “a empresa está operando em conformidade, no diz que respeito ao licenciamento ambiental”.
Para o oceanógrafo, o momento de cuidar dos mangues é decisivo. “As mudanças climáticas devem afetar os mangues. A subida do nível do mar deve pressioná-los para o interior. A mudança no regime do clima também deve causar modificações na intensidade de eventos. Os mangues terão papel relevante na proteção da costa”, ressalta.
YURI EIRAS / Folhapress