GRAVATAÍ, RS (FOLHAPRESS) – Um vaivém de caixas de frutas, verduras e legumes tomava conta de um terreno repleto de caminhões às margens da rodovia Freeway (BR-290), em Gravataí, na Grande Porto Alegre, na manhã desta terça-feira (28), quando a temperatura estava na casa de 12 ºC -a sensação era de frio mais intenso devido ao vento.
O cenário reflete um esquema emergencial montado há quase um mês para acomodar parte da produção de agricultores que tradicionalmente é vendida na Ceasa-RS (Central de Abastecimento do Rio Grande do Sul).
Com as fortes enchentes que castigaram o estado na virada de abril para maio, a sede da central foi tomada pela água no bairro Anchieta, na zona norte de Porto Alegre.
Para evitar o desabastecimento de hortifrúti, a solução encontrada foi instalar a Ceasa-RS em um formato reduzido no município vizinho. A operação temporária está em vigor desde o dia 8 de maio.
A área atual tem menos de quatro hectares e foi cedida por uma rede de farmácias, a São João. A sede da central, em Porto Alegre, é bem maior. Possui 42 hectares e responde pelo fornecimento de 54% dos produtos hortifrutigranjeiros consumidos por semana no Rio Grande do Sul, de acordo com o presidente da Ceasa-RS, Carlos Siegle.
Ele diz que o esquema emergencial é uma espécie de operação de guerra. “Sinceramente, não achei que ficaríamos um mês fora de casa, e estamos fechando quase um mês”, afirma.
“Em dia de mais movimento, é o pequeno caos que tu estás vendo. A gente coloca caminhão onde dá, ajusta. É complexo, e a gente não vê a hora de voltar para casa.”
Siegle indica que a operação atual movimenta em torno de 30% a 40% das mercadorias de um dia normal na instituição. A central conecta famílias de agricultores a atacadistas e varejistas, incluindo supermercados, fruteiras e mercados menores do estado.
O presidente afirma que, em razão das enchentes, a disponibilidade de produtos diminuiu nas últimas semanas. Ele, contudo, descarta um risco de desabastecimento.
De acordo com Siegle, o número de compradores também recuou em razão dos gargalos logísticos no Rio Grande do Sul -as enxurradas causaram danos em ruas, avenidas, pontes e estradas.
“Embora todo o estado tenha sido impactado pelas cheias, muitas regiões não foram devastadas”, afirma Siegle.
“Tem menos produto? Óbvio que tem. Os produtos estão mais caros por ter menos oferta? Sim, estão, mas não muito”, acrescenta. O presidente cita um aumento de cerca de 8% na batata-inglesa, por exemplo.
Agricultores lamentam perdas
Chantel Silva, 39, é um dos agricultores afetados pelas fortes chuvas. Ele segue vendendo na Ceasa-RS, mas estima uma perda de 60% na produção de hortaliças em sua plantação de seis hectares em Viamão, na Grande Porto Alegre. O produtor comercializa itens como alface, agrião e rúcula.
“No meu caso, não teve enchente, mas a chuva danificou muito a mercadoria. Foi muita chuva e depois teve uns dois dias de calor”, afirma.
“Em condições normais, demoraria uns 45 dias para recuperar a produção. Agora, vão ser de 60 a 90 dias”, completa. Ele prevê pressão sobre os preços enquanto a situação não for normalizada.
Edemar Bobsin, 62, também manteve as vendas na Ceasa-RS, apesar dos impactos negativos do clima. O agricultor estima uma perda de 40% em sua produção no município de Maquiné (a 130 km de Porto Alegre). Itens como alface, brócolis e couve-flor foram prejudicados.
“Foi muita coisa”, afirma o agricultor, que projeta de três a quatro meses para a recuperação da plantação. Ele também diz que os preços estão sendo pressionados pela oferta menor de mercadorias.
Já o produtor Elio Gonchorosky, 66, prevê redução na colheita que faria mais à frente de mercadorias como moranga, aipim e batata. “Com a umidade, acho que isso vai apodrecer”, afirma.
A logística prejudicada pelas enchentes é outra dificuldade que o produtor enfrenta. Com o gargalo de trânsito, ele está levando quase uma hora a mais por dia para se deslocar do município de Mariana Pimentel (a 80 km de Porto Alegre) até a Ceasa-RS. “Pegamos muita buraqueira”, diz.
Por ora, a central ainda não tem projeção de retorno para a capital gaúcha. “Como a gente trabalha com alimento, não pode fazer simplesmente uma limpeza. Vamos ter de sanitizar o complexo”, afirma o presidente da Ceasa-RS.
“Não temos ideia de tempo para recuperar os danos e retornar para nossa casa. Mas nós retornaremos”, completa Siegle.
LEONARDO VIECELI / Folhapress