PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – As chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul neste fim de semana causaram novos danos em lugares que ainda tentam se recuperar das enchentes de maio, que mataram 176 pessoas. Cidades dos vales do Caí e Taquari estão sob alerta da Defesa Civil estadual para inundações até quarta-feira (19), e a Serra e o Litoral Norte podem sofrer deslizamentos de terra.
De acordo com o professor Fernando Dornelles, integrante do IPH (Instituto de Pesquisas Hidráulicas) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), o solo ainda encharcado do fenômeno climático extremo do mês passado faz com que chuvas com menores acumulados causem elevação de rios.
“É normal nesses períodos de chuvarada, de El Niño principalmente, a gente ter uma sequência de frentes frias e os rios não baixarem”, diz o professor. “Evidentemente, a gente tem o agravamento disso por conta da mudança climática, e esses fenômenos vão começar a ser mais frequentes.”
De acordo com Dornelles, é preciso manter a atenção nos próximos meses. “A gente não vai poder baixar a guarda ao longo desse ano todo, porque essa condição de umidade do solo consegue se reverter apenas nos períodos de verão, onde a gente tem menos precipitação e mais evapotranspiração.”
O El Niño termina neste mês e abre caminho para o fenômeno La Niña, que costuma diminuir o índice de chuva na região Sul. Contudo, destaca Dornelles, o Rio Grande do Sul tem um inverno úmido e vai seguir em “condição de ameaça hidrológica pelo menos até final de setembro, outubro, que tradicionalmente são os meses mais chuvosos”.
“Mesmo com a chegada do La Niña, não tem tanto que possa ser feito”, diz.
O cenário de cheias pode suavizar após o fim do período chuvoso, mas o trauma de enchentes seguidas e as mudanças climáticas colocam dúvidas sobre a capacidade de muitas cidades gaúchas de se protegerem devidamente.
A variação elevada no nível de rios como o Caí e Taquari faz com que medidas de contenção como diques sejam muito difíceis de executar. “A gente conseguiria fazer um dique para proteger só uma parte já bem alta da cidade, porque a gente não pode fazer um dique com 10, 15 metros de altura”, diz o professor.
“Nessas cidades como Roca Sales, Muçum, Lajeado e Estrela, a melhor orientação que a gente dá é fazer o zoneamento. A gente de fato começar a esvaziar essa zona inundável e começar a habitar pontos seguros quanto à inundação.”
O zoneamento estabelece critérios de ocupação do solo e regulamenta o desenvolvimento urbano, estabelecendo critérios para uso de terrenos, capacidade construtiva e delimitação de áreas protegidas.
Dornelles fala que a zona de passagem de cheias é caracterizada por áreas muito próximas ao leito dos rios, de grande velocidade e profundidade das águas, e onde não é indicado que haja algum tipo de ocupação.
“Quando a gente vê as imagens no rio Taquari que as casas foram derrubadas, aquilo ali é zona de passagem de cheias”, diz o professor. Nas áreas um pouco mais afastadas, há uma redução nos riscos que poderia permitir algum tipo de urbanização com restrição.
Segundo Dornelles, essas restrições se aplicam a instituições como escolas, hospitais, sedes da defesa civil e dos bombeiros. “O que a gente pode ter é outros tipos, comércio, indústria, até residências, mas a gente sabendo que aquilo ali pode inundar e a gente adaptar toda essa cidade para conviver com as inundações.”
O professor diz que um exemplo bem-sucedido vem dos Estados Unidos, que implementou um sistema de zoneamento seguro e de alerta hidrológico em vez de intervir nos rios com medidas estruturais, como diques, barragens e desassoreamento.
Por meio de um mapeamento de zonas inundáveis, foi instituído o NFIP (Programa Nacional de Seguro contra Inundações, na sigla em inglês).
“A partir deste mapa, as seguradoras conseguem estimar qual é o risco de inundação e as pessoas que moram nessas zonas inundáveis passam a pagar esse seguro para ficarem protegidas”, conta o professor. “Ou seja, só para reaver os seus prejuízos, não que elas estejam fora de inundação.”
Junto ao zoneamento, o professor diz que é preciso ter um sistema de previsão hidrológica “que as pessoas recebam alerta dizendo que o nível do rio vai chegar em determinada cota em determinada hora”.
“A gente não pode ter um aviso pintando o [mapa do] Rio Grande do Sul inteiro dizendo que há risco de inundação”, diz Dornelles.
Para ele, também é preciso que haja um sistema qualificado que permita alertas por regiões dentro dos municípios. “Os bairros são diferentes, o nível d’água muda, a gente tem a declividade da linha d’água, e conforme a gente está mais alto no rio ou mais baixo, a cota modifica.”
CARLOS VILLELA / Folhapress