SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Brasil e Estados Unidos vivem, atualmente, ciclos econômicos opostos. Enquanto o Banco Central sobe a taxa básica de juros brasileira para frear a inflação, que acompanha o crescimento da economia e do emprego, o Fed (Federal Reserve) corta a taxa americana para evitar que o país entre em recessão e que o desemprego siga aumentando.
Em tese, esse cenário provocaria uma queda do dólar, hoje a R$ 5,519 na cotação comercial e a R$ 5,728 no turismo. Porém, segundo economistas, o cenário de incertezas, especialmente quanto ao risco fiscal brasileiro, pode frear a valorização do real.
“O que aconteceu nessa superquarta foi uma conjunção perfeita para a valorização do real. Mas esse pensamento vale até certo ponto”, diz Simone Stolar, diretora de câmbio na Acqua Vero Investimentos.
Na última quarta (18), o Copom (Comitê de Política Monetária) decidiu elevar a Selic (taxa básica de juros) em 0,25 ponto percentual para 10,75%, enquanto o Fed realizou seu primeiro corte desde 2020, num afrouxamento de 0,50 ponto, para 5%.
De acordo com economistas consultados pela pesquisa Focus, a previsão é que a Selic vá a 11,25% ao fim deste ano frente a uma taxa americana de 4,25%, segundo as apostas do mercado financeiro mensuradas pela CME. Caso tais expectativas se concretizem, o diferencial de juros entre os países iria dos atuais 5,75 pontos percentuais para 7 pontos percentuais, considerando a banda superior americana.
Quanto maior esse diferencial, mais atrativo fica investir no Brasil por meio do carry trade. Nessa operação, investidores tomam empréstimos nos EUA e investem esse dinheiro no Brasil. A diferença nas taxas de juros dos países é o lucro.
“Não necessariamente uma grande diferença de juros por si só valoriza o real. Já houve vezes em que se subiu juros aqui e o dólar também subiu. O mais importante é a percepção de risco”, diz Marco Caruso, economista do Santander.
Para ele, são dois os principais fatores de preocupação: a resiliência da economia americana, já que uma recessão fortaleceria o dólar por ele ser utilizado como um ativo de segurança, e o risco fiscal do Brasil.
“O cenário é favorável para o real, mas dependemos de uma melhora local”, diz Caruso, do Santander.
Nesse caso, o receio não é tanto com 2024, para qual o governo projeta entregar o déficit zero, mas para 2025 em diante, com a aproximação das eleições presidenciais de 2026. Segundo analistas, a tendência é que os gastos aumentem conforme o pleito se aproxima, o que elevaria o déficit fiscal e a percepção de risco.
Segundo o boletim Focus, as estimativas para o resultado primário, em relação ao PIB são de -0,60%, -0,75% e -0,69% para 2024 em diante, respectivamente.
Além das despesas em anos eleitorais, a incerteza de quem se elegerá e qual será a composição do Congresso também interfere.
“Praticamente não se olha dados econômicos aqui no Brasil para fazer preço da nossa moeda, e sim questões mais políticas”, diz Simone, da Acqua Vero.
A perspectiva média do mercado, segundo o Focus, é que o câmbio termine o ano a R$ 5,40. Ou seja, o diferencial de juros impediria uma alta maior do dólar frente ao real, dado o aumento do risco fiscal.
Porém, nas últimas vezes em que o Brasil subia juros e os EUA baixava (2001, 2002 e 2008), o real se fortaleceu, pontua estudo do Citi.
“Historicamente, o real se fortalece com a primeira alta de juros [no Brasil], mas isso acontece de forma mais significativa de 20 a 30 dias depois que o BC dá início ao ciclo de aumento de juros”, diz Juan Andrés Páez, diretor de estratégia para mercados emergentes do banco americano, que projeta o dólar a R$ 5,37 ao fim de 2024 e a R$ 5,16 em 2025.
Em 2001, dois meses após o fim do ciclo de alta da Selic de 15,25% para 19%, o dólar começou a cair e foi da faixa de R$ 2,80 para R$ 2,30 até o fim do ano.
Já o efeito das altas iniciadas ao fim de 2002, que culminaram com a taxa em 26,5%, foi observado apenas no ano seguinte, quando o dólar cedeu de R$ 3,70 para R$ 2,80, entre fevereiro e junho.
Em 2008, quando a Selic foi de 11,25% para 13,75%, ela segurou o dólar abaixo de R$ 2 até outubro, quando a crise financeira global fez o preço da divisa subir para R$ 2,50.
A perspectiva de um real mais forte também pode retroalimentar a valorização da moeda brasileira, uma vez que atrai mais investimentos, pois, além do diferencial de juros, seria possível ganhar com a alta da divisa.
No entanto, há outro fator que pode impedir a apreciação do real: a desvalorização das commodities. Como a economia brasileira é muito dependente da exportação dessas matérias-primas, quanto mais baratas elas estiverem no mercado internacional, menos dólares entram no país como pagamento.
Além disso, há uma forte correlação entre petróleo e dólar. Quando um sobe, o outro tende a cair, e vice-versa. No início de setembro, o barril do óleo caiu para a casa dos US$ 70, o menor valor desde o fim de 2021, com menos apetite a risco e enfraquecimento da atividade econômica, o que fortalece o dólar.
“Com a queda nos preços das commodities, revisamos nossa projeção de câmbio para o final deste ano, de R$ 5,40 para R$ 5,50, e para 2025, de R$ 5,50 para R$ 5,60”, diz o BTG Pactual em relatório.
De acordo com o Itaú, esse é um dos motivos pelo dólar se manter elevado ante o real, junto ao prêmio de risco elevado e às incertezas sobre o ciclo monetário atual.
Ainda assim, no último dia 12, o banco revisou sua projeção de câmbio para R$ 5,40 em 2024 e para R$ 5,20, ante R$ 5,50 para os dois anos.
“Apesar do prêmio de risco ainda elevado e da deterioração observada ao longo da primeira metade do ano nas contas externas, acreditamos que, diante da perspectiva de início de um ciclo de corte de juros pelo Fed (maior do que esperávamos anteriormente) e de alta da taxa Selic, o diferencial de juros deve se tornar mais atrativo, incentivando o fluxo de dólares para o país e acarretando numa moeda mais apreciada no médio prazo”, afirmam os economistas do banco em relatório.
JÚLIA MOURA / Folhapress