SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O músico Roberto de Carvalho segura as lágrimas enquanto lê um pedaço de papel no documentário “Rita Lee: Mania de Você”, que estreia nesta quinta (8). Três semanas antes de sua morte, em maio de 2023, a maior estrela do rock brasileiro deixou uma carta -revelada somente agora, no filme- em que se despede do marido e dos filhos de maneira emocionante, mas sem perder seu humor habitual.
“Quando ficou sabendo que estava com um problema de saúde, ela escreveu a carta”, diz o viúvo, que deixou o papel preso num mural na casa que dividia com Rita. “[O filme foi feito] já no momento em que ela não estava bem, não houve participação ativa dela. Mas ela sabia o que estava acontecendo e endossava que a gente continuasse gravando.”
Produzido pela Max, o documentário tomou outro rumo conforme o câncer no pulmão se agravava, diz o diretor Guido Goldberg. “Essa despedida da família, a forma como os filhos e o Roberto compartilharam esse momento de amor e sensibilidade, transformou o filme num tributo muito mais íntimo do que qualquer coisa que a gente pudesse planejar.”
“Rita Lee: Mania de Você” mergulha na história da artista a partir da visão afetiva da família, incluindo imagens raras e inéditas dessa convivência, como um passeio na praia e a participação da cantora na vida escolar do filho João. “Tive um projeto de escola quando eu tinha uns sete ou oito anos que era preparar um programa de TV. Tinha um bloco de entrevistas em que ela era a convidada”, ele diz.
Além de marido e filhos -incluindo também Antônio e Beto-, o filme traz depoimentos de amigos ilustres, como Ney Matogrosso e Gilberto Gil, e de colaboradores musicais, como a guitarrista Lucinha Turnbull e o produtor Guto Graça Mello. O jornalista Guilherme Samora, amigo de Rita, faz um passeio pela discografia da cantora.
Mas entre os elogios, o documentário trata também de desavenças. Guitarrista do Tutti Frutti, banda que acompanhou Rita Lee nos anos 1970, Luiz Carlini dá sua versão da separação entre grupo e cantora. “Ele é visto por alguns como um elemento antagônico no percurso da Rita”, diz Roberto de Carvalho. “Ele dá o depoimento dele, e mostramos que apesar do antagonismo que existiu durante uma determinada fase, houve também coisas boas feitas com ele.”
Não é o que acontece em relação aos Mutantes. Vista com certo desdém em suas autobiografias, a banda que revelou Rita Lee nos anos 1960, no caldo da tropicália, fica praticamente ausente no filme.
“O que a Rita tinha para dizer a respeito de Mutantes, ela escreveu nos livros. Então não tem a ver com o que ela estava pensando”, afirma Roberto. “Isso se deve ao fato de que o [guitarrista e, hoje, líder da banda] Sérgio Dias não autorizou o uso da imagem dele e das músicas nas quais ele é parceiro no documentário. Aliás, não é nem que ele não autorizou, ele sequer respondeu ao pedido de autorização.”
No documentário, a história artística de Rita é traçada em paralelo a sua trajetória pessoal -de como ela virou a “ovelha negra” na relação com os pais na infância, passando pela dedicação como mãe e até os períodos de depressão. Não só as pessoas ao redor dela, mas a própria Rita surge relembrando os episódios, em trechos de entrevistas dadas por ela ao longo dos anos.
O romance com Roberto, uma relação que transbordou para a música, é narrado em detalhes. O casal conta como compôs “Mania de Você” num momento florescente de paixão e criatividade musical, que rendeu diversos álbuns a partir do fim dos anos 1970 e ao longo da década seguinte. “Sempre ouvi dela que era a parte da vida dela -de compositora, artista e cantora- de que ela mais gostava, que ela mais prezava, onde ela foi mais ela mesma”, diz o viúvo.
Por outro lado, o filme mostra como ela não gostava do álbum “Entradas e Bandeiras”, seu último acompanhada pelo Tutti Frutti, de 1976, com exceção da música “Coisas da Vida”. Também conta como Gil tirou Rita de um buraco psicológico, após a prisão de ambos por porte de maconha, com a turnê conjunta “Refestança”, de 1977.
O episódio na cadeia, aliás, é tratado como uma perseguição da ditadura militar a Rita Lee, já que o regime teria plantado a droga como pretexto para encarcerá-la -grávida na época, ela afirma que, como boa hippie, não teria usado nada durante a gestação. Fica palpável o sentimento de tristeza da artista conforme ela se desculpa com o marido numa troca de cartas, direto da cadeia.
O documentário defende que a cantora teria sido retaliada por contrariar a versão da polícia sobre a morte de um fã num show dela, e fez isso a pedido da mãe do rapaz. Além disso, Rita já tinha atritos com a ditadura por ser uma das compositoras com mães canções censuradas pelo regime -vários desses documentos são mostrados no longa.
As batalhas da cantora no campo dos costumes, sempre contra a caretice, ganha destaque nas falas de Ney Matogrosso, mas especialmente no tratamento da relação dela com as drogas. Como afirma em entrevista resgatada pelo filme, Rita fez suas melhores e piores músicas sob o efeito de alguma dessas substâncias, que foram combustível da criatividade e do delírio na mesma medida.
“A gente vem de uma geração hippie, em que as drogas eram usadas para expandir a consciência, ter inspiração, alcançar um nível mais elevado de percepção do mundo invisível que se sobrepunha sobre todos nós. Era uma experiência muito mais mística do que de loucura”, diz Roberto.
Mas, ele acrescenta, “o limite entre misticismo e loucura é uma linha tênue”. “Eventualmente, você transgride essa fronteira. E isso aconteceu muitas vezes, como sendo uma situação difícil de ser administrada, porque você está justamente na fronteira. Então, incorreu-se muitas vezes em loucura. E também, muitas vezes, em expansão de consciência. Essas duas -ou 2.000- coisas aconteceram.”
RITA LEE: MANIA DE VOCÊ
Quando Estreia nesta quinta-feira (8/5)
Onde Disponível no Max
Classificação Não informada
Direção Guido Goldberg
LUCAS BRÊDA / Folhapress