Ritrovato renova público de olho no cinema feminino e pérolas russas e francesas

BOLONHA,ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Aconteceu, na última quinta-feira, poucos dias antes do encerramento do 38º CinemaRitrovato. A pessoa na mesa, da Fundação Scorsese, perguntou, antes da exibição da “Intriga Internacional”, de Hitchcock, quantas pessoas já tinham visto aquele filme. Foram poucas as que levantaram a mão.

Não é um episódio extraordinário, exceto pelo seguinte. Se fosse alguns anos atrás, todos teriam levantado a mão. O que isso significa? Que está mudando o espectador do festival.

Não são mais aqueles velhos professores, acadêmicos ou críticos os maiores frequentadores. São alunos de cinema —sobretudo americanos e da Europa— que entendem que serem herdeiros de alguma coisa.

A plateia ficou absolutamente eufórica ao final da projeção. Era grande cinema. E numa projeção exemplar, em 70 milímetros, não digital, mas em celuloide, provocando uma emoção contínua.

Outras ótimas projeções marcaram o final de semana. A começar pela apresentação, por Nicolas Seydoux, chefão da Pathé, que trouxe uma série de “fonocenas” —curtos experimentos de um rudimentar sistema de cinema sonoro, da primeira década do século 20, com imagens acopladas a discos. Alguns fabulosos, feitos pela pioneira Alice Guy-Blaché.

Já entre as exibições de filmes de 1904, encantou “A Porta Errada”, de Ferdinand Zecca, sobre um caipira que chega numa estação ferroviária à procura de um banheiro. Mas ele só encontra a cabine telefônica, e faz ali mesmo as suas necessidades. É um dos princípios do burlesco desses anos, o crescimento e mudança das cidades, com muita gente do interior que não entende os códigos modernos.

Entre os filmes feitos há cem anos, de 1924, o destaque foi para “O Último Homem”, de F.W. Murnau, rodado na Alemanha. Um filme onde a câmera é liberada, que inventa o movimento de “traveling”. O gênio do Murnau está inteiro nesse filme.

No setor da “avant-garde” francesa, dois restauros importantes: “O Balé Mecânico”, do Fernand Léger —primordialmente um artista plástico, mas que faz aqui uma obra original. E o “Entr’acte”, do René Clair, feito a partir de um roteiro do Francis Picabia, com Marcel Duchamp e Man Ray no elenco e música de Erik Satie. O “Entr’acte” que conhecíamos era curto, entre cinco e dez minutos. Agora, reecontramos sua versão original, com 22 minutos.

Vale citar ainda o “Kino-Pravda 18”, apresentado no catálogo por Luis Felipe Labaki, pesquisador brasileiro que fez um belo livro sobre Dziga Vertov, o autor desse documentário.

Para exemplificar a vitalidade da produção russa há cem anos, exibiram também um curta de comédia exemplar sobre burgueses que tentam driblar a Nova Política Econômica de Lênin. Uma família se disfarça de pobre para não ter de pagar impostos. Mas claro que a mentira, pouco depois de uma inspeção, é desmascarada, e os burgueses se submetem ao plano soviético.

Do lado americano, o festival exibiu filmes já restaurados de “O Gordo e o Magro” e ainda planeja recuperar mais obras de Harold Lloyd, cuja obra é bem forte.

Mas o Ritrovato também está de olho em filmes mais recentes, para chamar o interesse de um público mais jovem —e feminino. Exemplo foi a homenagem à grande atriz francesa Delphine Seyrig, com a exibição do último filme que dirigiu, “Sois belle et tais-toi!”, ou seja bela e cale a boca. E também filmes da Chantal Akerman, uma das grandes cineastas mulheres dos anos 1970 e 1980, com a exibição de “Golden Eighties”.

Nesse aspecto, há uma expansão também do interesse pelo cinema negro. Dessa vez aqui foi uma homenagem a Lionel Rogosin, de quem foi exibido “Black Fantasy”, e, também no final do festival, “Camp de Thiaroye”, uma produção do Senegal, Argélia e Tunísia, de 1988, do grande diretor negro Ousmane Sembé.

Um filme absolutamente explosivo, que dispensa a produção francesa ao tratar dos batalhões coloniais de negros que estiveram na Segunda Guerra Mundial e que, após o conflito, foram mandados para campos de concentração.

Nesse cenário, América do Sul e Caribe estão subrepresentados, além do festival ter pouca relação com a Ásia. Nós aqui estamos meio por baixo por lá e seria interessante fazer um trabalho para trazer mais coisas de Brasil, Argentina e mesmo México, que só entram pela via de Martin Scorsese.

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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