CHANGZHOU, CHINA, E SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESSl) – Da linha de produção da unidade de negócios 11 da BYD em Changzhou, na região leste da China, saem prontos, mensalmente, 20 mil veículos.
À primeira vista, as três divisões distribuídas pelo parque industrial localizado no distrito de alta tecnologia da cidade (CND, na sigla em inglês para Changzhou National High-Tech District) são similares a tantas outras fábricas de automóveis, com seus chassis e carcaças, e alto nível de automação.
Fotos são proibidas para proteger segredos industriais telefones celulares têm suas câmeras tampadas por selos, braços mecânicos fazem trabalhos repetitivos de corte e solda, essa última feita de maneira silenciosa em uma câmara que trata o gás. Esteiras carregam estruturas que, a cada circuito, começam a ter a aparência do produto final.
Quase 450 robôs industriais da japonesa Fanuc e da alemã Kuka assumem parte do trabalho pesado. O trabalho humano é executado por 12 mil funcionários.
A diferença fundamental está no meio do processo. Nas quatro horas em que um veículo leva para passar pelos processos de estamparia, solda, pintura e montagem final, em nenhum momento ele receberá escapamento.
O motor é elétrico e, além dele próprio, o centro nervoso do carro mora na bateria o primeiro produto do portfólio da BYD.
A fábrica de Changzhou tem 1.720 metros quadrados, onde funcionam as três divisões de produção.
Junto à montagem final, há ainda um segmento de testes dos carros prontos ou quase (alguns ainda receberão os últimos revestimentos internos, por exemplo). Nessa grande garagem, vêem-se carros com a mão inglesa de direção, a mesma usada em regiões sob controle da China, como Hong Kong, além do próprio Reino Unido.
Ao ano, a fábrica de Changzhou produz cerca de 240 mil veículos elétricos. A capacidade é para 350 mil unidades.
De lá saem o Yuan Plus e o Seal o primeiro, um SUV compacto, o segundo, um sport coupé. Os dois já são vendidos no Brasil, onde a BYD projeta ter seus primeiros “made in Brazil” prontos até o início de 2025.
A pedra fundamental da fábrica de Camaçari, a 50 quilômetros de Salvador, foi lançada no início de outubro, com a presença do fundador da empresa, Wang Chuanfu, que ocupa o cargo de CEO.
A construção da fábrica brasileira chegou a ficar sob impasse com contornos geopolíticos. A BYD manifestou interesse em assumir a área ocupada pela Ford em Camaçari, de onde a montadora de origem norte-americana saiu em 2021, depois de encerrar a produção de veículos no Brasil.
O governo da Bahia, ainda sob comando de Rui Costa (PT), hoje na Casa Civil, foi entusiasta da instalação da fábrica no polo industrial próximo a Salvador e intermediou conversas. Para atrair a BYD, o estado na região Nordeste concedeu aos chineses redução de 95% no ICMS. No IPVA, haverá isenção para veículos de até R$ 300 mil, e alíquota padrão de 2,5% para os demais.
As negociações entre as duas indústrias não avançaram, apesar do interesse de ambas em dar uma solução a seus projetos para uma, de chegada, para a outra, a de saída. A animosidade dos governos dos países de origem das duas travou o aperto de mãos.
A chinesa e a norte-americana já tinham negociado antes. Quando fechou a fábrica de caminhões em São Bernardo do Campo (ABC), a Ford chegou a negociar com a BYD, mas acabou vendendo a área para uma construtora.
Na solução para o impasse em Camaçari, o governo da Bahia entrou no negócio, pagou à Ford pelas benfeitorias feitas no complexo e concederá a área à BYD.
Em Changzhou, a construção da fábrica levou pouco mais de dois anos. O calendário de obras foi afetado pelas restrições impostas pelo controle à disseminação da Covid-19. A China, país onde os primeiros casos foram identificados, teve uma das mais severas políticas de confinamento durante a crise sanitária.
A unidade é tida pela empresa como o modelo para futuras fábricas fora da China, pelo nível de tecnologia aplicada na produção e pelo grau de automação. Será “espelho” para a unidade de Camaçari.
A fábrica brasileira é a primeira fora da Ásia. Além da China, onde são oito as fábricas de veículos, a BYD começou a construir em março uma planta de elétricos na Tailândia.
No Brasil, a empresa diz esperar que a produção de veículos tenha início em pouco mais de um ano, no fim de 2024. O investimento é de R$ 3 bilhões e a projeção inicial para a produção é de 150 mil veículos elétricos e híbridos ao ano em uma primeira fase.
Se o mercado consumidor responder, a planta poderá levar o volume de produção a 300 mil veículos ao ano.
O número de empregos gerados está estimado em 5.000. Quando encerrou suas operações na Grande Salvador, a Ford tinha 4.059 funcionários diretos vinha fazendo cortes e programas de demissões desde 2019.
O complexo industrial da BYD em Camaçari inclui ainda uma fábrica de chassis para ônibus e caminhões elétricos, e um terceiro segmento de processamento de lítio e ferro fosfato para atender o mercado externo.
Apesar de ocupar uma área que já pertenceu à indústria de automobilística, a BYD não deverá aproveitar nada da estrutura remanescente no terreno.
A exceção será o terminal portuário privado de quase 120 m² e capacidade para 6.000 veículos vizinho ao Porto de Aratu, um dos mais importantes da Bahia, e que também deverá ser devolvido ao governo do estado em meio as negociações da saída da Ford.
Na ferramenta de buscas por endereços do Google, o terminal já foi rebatizado como “Porto da BYD”.
Inicialmente, a fábrica brasileira produzirá o Dolphin, elétrico, e o Song Plus, híbrido. O subcompacto Seagull também entrou nos planos da companhia para a produção nacional, mas dependerá da resposta do mercado.
Ao todo, a produção nacional da BYD no Brasil poderá chegar a seis modelos.
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A repórter viajou a convite da BYD
FERNANDA BRIGATTI / Folhapress