SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No início da noite do último dia 5 de maio, um homem seguia no trânsito da avenida Professor Abraão de Morais, na Saúde, zona sul de São Paulo, quando duas pessoas armadas em uma moto pequena anunciaram o assalto. O piloto teve de descer da sua moto, de 1.200 cilindradas, e um dos ladrões sumiu com ela.
O motociclista entrou para as estatísticas. O roubo de motos de alta cilindrada disparou no município. A Folha teve acesso a duas pesquisas realizadas por empresas de rastreamento, com base em dados de boletins de ocorrência disponibilizados pela SSP (Secretaria da Segurança Pública), e ambas apontam que este tipo de crime cresceu neste ano.
Especialistas ouvidos pela reportagem explicam que essas motos são usadas para ostentação durante “rolezinhos” em comunidades ou bailes funk. Acabam abandonadas depois ou são desmanchadas para venda de peças.
É o que aconteceu com a moto roubada na Saúde. O veículo foi rastreado em um baile funk na rua Mariana Brant, Americanópolis, zona sul, e localizado na manhã seguinte em um matagal em Diadema, na região metropolitana, sem carenagem, peças laterais e placa.
“Essas motos, com preço acima de R$ 100 mil, acabam usadas em manobras arriscadas por criminosos que querem ostentar”, afirma Vitor Correa, coordenador da central de operações da empresa de rastreamento Tracker.
Os números tabulados pela Ituran Brasil, de motos a partir de 501 cc, mostram que o roubo desse tipo de veículo subiu quase 70% no município no primeiro semestre de 2023, na comparação com o mesmo período do ano passado passou de 462 para 781.
Os assaltos representam 83,2% das ocorrências, contra 16,74% de furtos. E a disparidade cresceu, já que, no primeiro semestre de 2022, os casos de roubos de motos potentes eram 78,04% dos boletins de ocorrência, conforme a pesquisa da Ituran.
De acordo com os especialistas, os roubos são mais frequentes que os furtos porque geralmente essas motocicletas ficam em estacionamentos fechados, com mais segurança, quando não estão em circulação.
A Tracker e a Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), que produzem boletins estatísticos anuais, analisaram os dados com motos a partir de 600 cilindradas e apontaram que os roubos quase dobraram na comparação entre os dois semestres, passando de 152 para 293 registros na capital, aumento de 92,7%. No estado, a alta foi de 83,5%.
Na soma de todos os modelos e cilindradas no município, a alta de roubos e furtos foi de 25% na comparação entre os dois semestres, mostra a Fecap, passando de 6.788 para 8.494 registros.
No mesmo período, afirma o Detran (Departamento de Trânsito) paulista, foram emplacadas 43.297 novas motocicletas no município de São Paulo, 53% a mais que nos seis primeiros meses de 2023, quando houve 28.384 emplacamentos.
O boletim alerta, contudo, para uma recente auditoria realizada pelo governo do estado, que apontou erros nos dados estatísticos da SSP em todos os meses do ano passado. A fundação aponta inconsistência, inclusive, nas informações de 2023.
“O aumento de ocorrências [de roubo] é alarmante, pois mostra um padrão claro de crescimento contínuo”, diz o coordenador do Departamento de Pesquisas em Economia do Crime da Fecap, Erivaldo Costa Vieira.
Os modelos mais levados pelos ladrões são as big trails, motocicletas altas e com capacidade para longas viagens. A campeã no primeiro semestre foi a Triumph Tiger, de 900 cc, com 46 casos de roubos e furtos na capital, aponta o levantamento da Ituran.
Fernando Correia, coordenador de operações da Ituran, afirma que a prática de outros crimes também motiva a cobiça por essas motos. “São rápidas para fuga”, diz.
Motos mais levadas pelos ladrões no 1° semestre de 2023
Triumph Tiger 900 – 46
Triumph Tiger 800 – 37
BMW R 1200 GS – 36
BMW F 650 – 35
BMW F 800 – 34
BMW R 1250 GS – 33
Kawasaki Versys 650 – 33
Yamaha Tmax – 31
Triumph Tiger 1200 – 28
BMW S 1000 – 27
Honda NC 750 X – 27
Yamaha MT07 – 26
Fonte: Ituran
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) admite o problema e diz que o roubo de motocicletas de alta cilindrada está na mira das forças de segurança. Em nota, a SSP afirma que promoveu, no último dia 16 de agosto, um encontro com entidades do setor e movimentos que reúnem motociclistas de todo o estado.
“Foi a quinta reunião realizada em conjunto com o Centro Integrado de Comando e Controle [CICC] para discutir as medidas adotadas e ajudar a coibir esse tipo de crime”, diz a pasta. “O objetivo é identificar quadrilhas envolvidas com os roubos de motos de alta cilindrada e suas ramificações.”
Como consequência do aumento de ocorrências, a Tracker registrou crescimento de 40% na instalação de rastreadores entre janeiro e agosto, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, afirma que para combater esse tipo de crime é preciso investimento em câmeras que fazem a leitura de placas, além de investigação. “É um problema para a sociedade.”
Vias com mais ocorrências no 1° semestre de 2023
Não informado – 21
Avenida dos Bandeirantes – 16
Avenida das Nações Unidas – 10
Rodovia dos Imigrantes – 10
Avenida Washington Luís – 9
Avenida Embaixador Macedo Soares – 8
Rodovia Fernão Dias – 8
Avenida Aricanduva – 6
Avenida Interlagos – 6
Avenida Raimundo Pereira Magalhães – 6
Fonte: Ituran
Bairros com mais ocorrências no 1° semestre de 2023
Vila Andrade (zona sul) – 25
Jabaquara (zona sul) – 22
Itaim Bibi (zona oeste) – 21
Santo Amaro (zona sul) – 20
Tatuapé (zona leste) – 18
Vila Prudente (zona leste) – 18
Vila Mariana (zona sul) – 15
Morumbi (zona oeste) – 14
Sacomã (zona sul) – 14
Vila Olímpia (zona oeste) – 14
Fonte: Ituran
Ocorrências por dia da semana no 1° semestre de 2023
Domingo – 283
Sábado – 186
Quinta-feira – 135
Sexta-feira – 108
Quarta-feira – 86
Terça-feira – 82
Segunda-feira – 58
Fonte: Ituran
Período com mais ocorrências no 1° semestre de 2023
Noite – 430
Tarde – 292
Manhã – 162
Madrugada – 50
Hora incerta – 4
Fonte: Ituran
As duas pesquisas apontam que as vias expressas estão entre as com maior número de queixas de roubos a líder é a avenida dos Bandeirantes, na zona sul, com 16 casos. Ela faz a ligação entre a marginal Pinheiros e a rodovia dos Imigrantes, terceira colocada na lista, com 10 registros.
Bairros de classe média alta, como Vila Andrade, na zona sul, e Itaim Bibi, estão entre os principais alvos de criminosos.
O dia da semana preferido dos ladrões é o domingo, quando geralmente os motociclistas pegam seus veículos para passeios.
Foi no início da noite de um domingo, em junho passado, que um empresário acabou morto durante um assalto na avenida Embaixador Macedo Soares, a pista local da marginal Tietê. O piloto acabou rendido por dois homens em uma moto menor, e sua BMW não foi levada porque um guarda-civil estava de folga e atirou contra os ladrões, que fugiram com a arma do dono da motocicleta, que era CAC (caçador, atirador e colecionador).
PM DIZ AGIR COM RAPIDEZ
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública diz que a Polícia Militar atua na prevenção do roubo de motos e que há rápida resposta por meio da operação Saturação conforme os crimes são denunciados, implantada no ano passado e que realizou grandes blitze contra motociclistas.
Na capital, em Guarulhos e em São José dos Campos, a pasta afirma que PM Rodoviária tem usado motos em horários de maior incidência de roubos, conforme os registros dos BOs para tentar reduzir as estatísticas.
DICAS DE SEGURANÇA
Coloque trava e alarme na moto para dificultar o furto;
Evite estacionar na rua;
Evite passar em locais desconhecidos e ruas desertas, principalmente no período da noite; se não conhece o local, pesquise antes;
Evite parar em qualquer lugar para mexer no celular, mesmo se precisar ajustar o GPS;
Evite rotinas: busque sair em horários diferentes e faça caminhos distintos;
Esteja sempre alerta e, na dúvida, mude o trajeto;
No caso de passeios, prefira andar com outros motociclistas;
Exija nota fiscal na compra de peça usada;
Se possível, contrate um seguro;
Fontes: Tracker e Ituran
FÁBIO PESCARINI / Folhapress