Ruas vazias, polícia e bares com estrangeiros marcam a sede da cúpula do Brics

KAZAN, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – Ruas vazias, intensa presença policial e bares lotados de estrangeiros marcam a rotina de Kazan, a cidade-sede da 16ª cúpula do Brics, que começa nesta terça (22).

O contraste com os dias de turismo ostensivo da Copa do Mundo de 2018, quando a foi sede e viu o Brasil ser eliminado pela Bélgica, impressiona. Kazan continua belíssima e passou por uma renovação que custou, segundo o governo local, o equivalente a cerca de R$ 450 milhões para receber a cúpula.

Mas as ruas estão vazias, como numa versão distópica das famosas “vilas Potemkin”. Em 1787, o marechal Grigori Potemkin, ministro e amante da czarina Catarina a Grande, levou a soberana a uma viagem para a recém-adquirida península da Crimeia.

Para mostrar o que quatro anos de domínio russo haviam feito ao local, ele mandou erguer fachadas falsas ao longo do caminho, impressionando Catarina. A história, dizem historiadores como Simon Sebag Montefiore, é uma lenda e provavelmente ele mandou pintar algumas paredes, mas a versão foi o que ficou.

Em Kazan, a ilusão causa efeito reverso: a cidade está desabitada. O jornalista Pavel, que pede para não citar seu sobrenome, trabalha para um diário local. Há um mês, foi avisado pela chefia de que deveria ou tirar uma folga ou trabalhar remotamente nesta semana.

Ele foi para Moscou ver amigos. No serviço público, segundo o site independente Groza, as férias forçadas foram implementadas de forma compulsória. Escolas estão fechadas, com aulas remotas até o dia 27, e dormitórios universitários foram desocupados para abrigar as forças de segurança que inundam a cidade.

“É chato, mas é óbvio. Há muita gente importante em Kazan”, diz Pavel. O líder chinês, Xi Jinping, é uma dessas pessoas. A delegação de Pequim, visivelmente a maior presente, com cerca de cem autoridades e respectivas equipes, ocupa todo o Hotel Mirage, próximo ao marco da cidade, o Kremlin local.

Na manhã desta terça, dia em que Xi deve se encontrar com o aliado Vladimir Putin de forma reservada, havia nada menos que cinco ônibus grandes e três vans de plantão ao redor do hotel. Os carros oficiais estavam junto ao prédio.

Entre eles havia algumas Mercedes Benz e modelos elétricos chineses, mas a estrela é a já famosa “limousine de Putin”, a russa Aurus Senat, presenteada pelo presidente ao ditador norte-coreano, Kim Jong-un. Reservada às principais autoridades, elas singram as ruas elegantes do centro de Kazan, bloqueadas por policiais.

O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, chegou na segunda numa delas, que estava reservada para o presidente Lula, que ficou em Brasília após cair e bate a cabeça.

Os bloqueios chamam a atenção. Na região central da cidade, em que estão hospedadas as delegações, há diversas ruas fechadas. Policiais com coletes fosforescentes adornam todas as esquinas, sem hipérbole.

Quem decidiu ficar na cidade, que com 1,3 milhão de habitantes é a quinta mais populosa da Rússia, foi orientado pelas autoridades a não sair sem identificação. Quando Vieira chegou ao Hotel Luciano, por exemplo, a rua tinha soldados fortemente armados, com balaclavas e fuzis.

Noves fora a evidente necessidade de proteger autoridades, é um lembrete de que a Rússia está em guerra. Neste ano, Kazan foi alvo de alguns ataques com drones da Ucrânia que forçaram o fechamento de seu aeroporto.

A guerra em si, que está excluída como tema do encontro dos Brics, é lembrada aqui e ali com cartazes incentivando o alistamento voluntário nas Forças Armadas como soldado profissional, algo que paga bem (cerca de R$ 17 mil mensais) para o padrão local.

Outra lembrança do conflito está no celular. O sinal de GPS é embaralhado em toda a cidade, tornando quase inúteis os Waze da vida. O motivo é atrapalhar o drone eventual. Desde a segunda (21), a qualidade do sinal de celular parece degradada para o velho e bom 3G. “Agora, internet só com o Wi-Fi”, diz uma atendente do centro de credenciamento da cúpula chamada Anna.

Kazan, capital da República do Tartaristão, é uma das joias turísticas da Rússia. Nos primeiros seis meses deste ano, recebeu 2 milhões de visitantes, a maioria composta por russos. É um aumento de 22% ante o mesmo período de 2023, e projeta um empate no nível de visitação anterior à guerra iniciada em 2022.

Agora, por obra da cúpula, eles estão ausentes. Para os donos de bares e restaurantes, que em Kazan compõem uma cena vibrante e condizente com a fama de relaxamento do local, que tem a população dividida entre muçulmanos e cristãos ortodoxos, os cerca de 20 mil membros de delegações viraram fonte de renda.

No bar Zero, que fica numa rua paralela ao popular calçadão Bauman, diplomatas compunham boa parte do público na noite de domingo (20), por exemplo. Algumas baladas de gosto duvidoso, como a Coyote Ugly, nas mesma Bauman, também.

Algumas autoridades saem das bolhas dos hotéis. A ex-presidente brasileira Dilma Rousseff (PT), que comanda o banco dos Brics e encontrou-se com Putin nesta terça, estava na segunda à noite no popular restaurante de comida tártara Umai, junto ao Kremlin local.

IGOR GIELOW / Folhapress

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