Ruralistas criticam Enem por itens que ligam agronegócio a exploração e desmatamento

Estudantes fazem o Enem 2023 | Foto: Paulo Pinto: Agência Brasil

Ao menos duas questões do primeiro dia do Enem 2023, aplicado neste domingo (5), incomodaram lideranças ruralistas. Segundo os parlamentares, itens sobre a amazônia e o cerrado seriam ideológicos e criariam uma imagem negativa e distorcida do agronegócio.

A Frente Parlamentar da Agropecuária publicou nota nesta segunda-feira (6) em que pede anulação das questões. O texto diz que as perguntas não teriam “critério científico”.

“A vinculação de crimes à atividade legais no Brasil é um critério de retórica política para encobrir a ausência do Estado no desenvolvimento de políticas públicas eficientes e de combate a ilegalidades”, diz a nota.

A bancada ruralista reúne 324 deputados e 50 senadores.

Os itens são o 89 e 70, da prova de cor branca. A Frente de Agropecuária pede a anulação das perguntas, esclarecimentos do governo Lula (PT) e indica que vai encaminhar requerimentos de convocação do ministro da Educação, Camilo Santana, para se explicar na Câmara e no Senado.

Na nota divulgada pela Frente, são citadas o número de três questões, mas a assessoria de imprensa da assessoria de parlamentares informou que duas delas são a mesma em provas de cores diferentes.

O Sindicato Rural de Ribeirão Preto também se posicionou, por meio de carta endereçada aos organizadores do exame. No texto, afirma que há uma tentativa de “demonizar o agronegócio brasileiro”. O texto foi divulgado por Fabio Wajngarten, ex-assessor do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Em nota, o Inep afirmou que as questões do Enem são “elaboradas por professores independentes, selecionados por meio de edital de chamada pública para colaboradores do Banco Nacional de Itens (BNI)”.

“O Inep não interfere nas ações dos colaboradores selecionados para compor o banco”, diz o texto.

As duas questões trazem trechos adaptados de artigos científicos. Ambas pedem que o participante interprete o que os autores quiseram transmitir.

Na questão sobre o cerrado, a 89 da prova branca, o texto do enunciado aborda a territorialização do agronegócio e diz que sua lógica tem se sobreposto aos conhecimentos dos camponeses.

O trecho diz que “o modelo capitalista subordina homens e mulheres à lógica do mercado” e que há outros fatores negativos, como a “mecanização pesada” a “violência simbólica, a superexploração, as chuvas de veneno e a violência contra a pessoa”.

A prova pede que os participantes interpretem o que está escrito e apontem o que o “os elementos descritos no texto, a respeito da territorialização da produção”, demonstram.

O gabarito oficial não foi divulgado, mas de acordo com correção extraoficial publicada pela Folha de S.Paulo, a alternativa correta seria: “Cerco aos camponeses, inviabilizando a manutenção das condições de vida”.

Já no item que trata da amazônia, o 70 da mesma prova, o excerto indica que “é evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver” com a “expansão da soja”, mas também afirma que a “lógica que gera o desmatamento está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas”.

O enunciado pede que o participante indique qual alternativa, “na visão do autor”, explica o que desencadeia “o problema central da situação descrita”. Segundo o gabarito extraoficial, a alternativa correta seria: “a apropriação de áreas devolutas”.

Para o professor de geografia Altieris Lima, da Escola SEB Lafaiete, as questões são adequadas do ponto de vista pedagógica e servem para discriminar os candidatos.

“As duas são cabíveis, dialogam com questões complexas, ideais para um vestibular”, diz ele.

Não é a primeira vez que o Enem é alvo de ataques de grupos políticos por causa de questões da prova. Bolsonaro e aliados de direita já acusaram a prova de fazer doutrinação de esquerda.

Em seu governo, por sua vez, nenhum pergunta sobre ditadura militar caiu nas quatro provas realizadas no período. O tema voltou a ser abordado neste ano.

As questões do Enem são produzidas por professores universitários, a partir de editais elaborados pelo governo. Ainda passam por um longo processo de elaboração.

Na nota encaminhada à reportagem, o Inep afirmou que o processo envolve as etapas de elaboração e revisão pedagógica dos itens, além de validação pelo trabalho de uma comissão assessora. “Os itens selecionados para a edição de 2023 passaram pelo fluxo estabelecido nas normativas do BNI”.

Reportagem da Folha de S.Paulo com uma análise estatística inédita mostrou que perguntas que causaram polêmica e foram alvo de Bolsonaro e aliados tiveram qualidade técnica para avaliar competências. Ou seja, foram eficientes em apontar os melhores candidatos.

Os itens são pré-testados (várias pessoas respondem à questão) para que haja a calibração de vários atributos, como grau de dificuldade e chance de acertar no chute. Isso faz parte do modelo matemático adotado no Enem, a TRI (Teoria de Resposta ao Item).

PAULO SALDAÑA / Folhapress

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