Rússia acusa Ucrânia de atacar Crimeia com mísseis da Otan

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia acusou nesta quinta (22) a Ucrânia de ter disparado quatro mísseis de longo alcance fabricados na Europa contra duas pontes que ligam a península anexada da Crimeia à porção ocupada da região de Kherson, no sul do país invadido em 2022.

Não é um fato corriqueiro na guerra, que vive dias de tensão máxima desde que Kiev lançou sua aguardada contraofensiva há 19 dias. Na terça (20), o ministro da Defesa russo, Serguei Choigu, havia denunciado a possibilidade de um ataque como esse.

“A liderança das Forças Armadas da Ucrânia planeja atacar o território da Federação Russa, incluindo a Crimeia, com mísseis [americanos] Himars e [franco-britânicos] Storm Shadow. O uso desses mísseis fora da zona da operação militar especial significará o total envolvimento de EUA e Reino Unido no conflito e levará a ataques imediatos a centros de decisão na Ucrânia”, afirmou.

Exceto que os russos tenham atirado contra seu próprio território, o único míssil em posse dos ucranianos com alcance para atingir a ponte de Tchongar, na fronteira Crimeia-Kherson, é justamente o Storm Shadow. Modelo de cruzeiro fabricado pelo consórcio europeu MBDA, com sede na França, ele pode alcançar alvos a 550 km.

A ponte fica a cerca de 150 km das linhas ucranianas ao norte do rio Dnieper, cujas margens ainda sofrem com o alagamento causado pela explosão de uma represa há duas semanas. O Storm Shadow é lançado do ar, de caças-bombardeiro Su-24 modificados para recebê-lo desde que o Reino Unido passou a fornecê-lo em maio, então pode ser empregado a distâncias mais seguras, longe das baterias antiaéreas russas.

A ponte é uma das poucas rotas terrestres usadas pelos russos. Desde que Vladimir Putin anexou a Crimeia em 2014, na esteira da queda de um governo amigo em Kiev, o isolamento da península é uma preocupação estratégica do Kremlin.

Em 2018, isso foi mitigado pela construção da gigantesca ponte de Kertch, ligando a região à Rússia continental sobre o mar Negro. No ano passado, os ucranianos explodiram um caminhão-bomba na obra, que ficou meses fechada.

Com a ocupação da maior parte de Kherson e Zaporíjia, regiões que foram anexadas ilegalmente por Putin em setembro passado, foi estabelecida uma ligação terrestre direta entre a Rússia, o Donbass (leste ocupado da Ucrânia) e a Crimeia. Romper isso é uma prioridade aparente da contraofensiva de Volodimir Zelenski, que o presidente ucraniano afirmou na quarta (21) que estava “mais lenta do que o desejado”.

Segundo Vladimir Saldo, o governador de Kherson ocupada, quatro disparos atingiram o local, que deve ficar fechado por alguns dias. Ele citou também o ataque a uma ponte secundária na região, sem uso há anos. Kiev não fez comentários, mas autoridades locais confirmaram a autoria. “O impacto psicológico sobre os ocupantes é ainda mais importante”, disse Iuri Sobolevski, do governo regional de Kherson.

Saldo disse que a ação demandaria uma resposta pesada, sugerindo que os russos bombardeiem ligações entre a vizinha Moldova e a Romênia, um membro da Otan (aliança militar ocidental). A agência RIA-Novosti diz que investigadores acharam marcações francesas em destroços, apontando ainda mais para o Storm Shadow.

Tal ataque ensejaria uma escalada imprevisível, e parece improvável. Moldova inclusive protestou contra a fala. Mas uma ação mais incisiva dos russos contra o governo de Zelenski parece estar no cardápio, a julgar as palavras do ministro Choigu, embora ele não tenha ido longe a ponto de dizer que alvejaria objetivos ocidentais -pelos mesmos motivos de Terceira Guerra Mundial que isso arriscaria.

Ainda nesta quinta, o ministro afirmou que a intensidade da contraofensiva havia diminuído um pouco, sugerindo que os ucranianos estão se reagrupando após as aparentes grandes perdas até aqui. Houve ganho territorial lateral em Zaporíjia e Donetsk, mas não um grande rompimento da defesa russa. Putin jogou com a sorte na véspera, dizendo que só via “calmaria”, e que Kiev sabia ser impossível derrotá-lo.

Mas Choigu afirmou que a Ucrânia retém potencial ofensivo, e vai usá-lo. Ele descartou uma nova mobilização, afirmando que em média 1.336 soldados se alistam voluntariamente na Rússia, um dado de impossível verificação.

Ao longo da noite e madrugada, houve novos ataques russos de longo alcance, centrados em Odessa (sul) e Krivii Rih (centro, a cidade natal de Zelenski). Foram empregados drones, que fora derrubados segundo a Força Aérea ucraniana, mais três mísseis hipersônicos Kinjal e três de cruzeiro, que aparentemente atingiram seus alvos.

ZELENSKI FALA EM TERRORISMO NUCLEAR; MOSCOU NEGA

Em Kiev, o presidente Zelenski repetiu uma acusação feita pelas suas Forças Armadas: de que Moscou colocou minas na usina nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa, e que pretende explodi-la em um ato de terrorismo nuclear visando acusar os ucranianos da ação.

Tal cenário vem sendo ensejado pelos ucranianos desde que os russos tomaram o local, no ano passado. Mas a Agência Internacional de Energia Atômica vistoriou a usina na semana passada, para checar o impacto da destruição da represa do rio Dnieper, cujo reservatório abastecia o sistema de resfriamento dos reatores, e disse que a situação está sob controle. O Kremlin, por sua vez, disse que a acusação de Zelenski é “mais uma mentira”.

Imagens de satélite mostram que o reservatório desapareceu, mantendo apenas o fluxo regular do Dnieper rumo ao mar Negro. Isso significa que os alagamentos devem ceder rio abaixo, mas também abre uma possibilidade militar inaudita.

Com até 23 km de largura e 240 km de extensão, o reservatório era uma fronteira intransponível entre a área ocupada pelos russos ao sul e a Ucrânia, teoricamente não tendo suas margens transformadas em campos minados por Moscou como ocorria na porção final do rio.

Se ali os ucranianos ficaram impedidos de fazer ataques anfíbios, agora têm uma área nova para explorar mais a norte, quando o lamaçal secar e se transformar num pequeno deserto. Resta saber se o Kremlin já está fortificando a região, depois de ter perdido seus campos minados no alagamento rio abaixo.

IGOR GIELOW / Folhapress

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