SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Ucrânia acusou a Rússia de atacar um navio carregado de grãos que ia da região de Odessa para o Egito na noite de quarta (11) para quinta (12), uma ação que renova um flanco da guerra no mar Negro que vivia meses de relativa tranquilidade.
Kiev disse que o navio estava em águas da Romênia, país que integra a Otan. Isso poderia configurar uma grande crise, dados os protocolos de defesa mútua da aliança militar liderada pelos EUA, mas Bucareste correu para negar a informação.
Segundo a Autoridade Naval Romena, o navio nem estava em suas águas territoriais, nem pediu socorro. Já a Marinha da Ucrânia afirma que a embarcação estava na zona econômica exclusiva da Romênia, uma área bem mais ampla de exploração comercial, mas não de soberania plena.
Segundo a Marinha ucraniana, o navio não estava ainda no corredor marítimo estabelecido nas costas romenas e búlgaras rumo ao Mediterrâneo, mas não está claro ainda onde de fato o incidente ocorreu.
No X (ex-Twitter), o presidente Volodimir Zelenski havia dito que a ação ocorreu após o cargueiro deixar a foz do rio Danúbio, que separa a Ucrânia da Romênia. A área é pródiga em incidentes perigosos: com frequência drones russos ou seus destroços caem do lado romeno da fronteira, durante ataques aos portos ucranianos do curso d’água.
A Marinha disse que foram empregados no ataque bombardeiros Tu-22M3, provavelmente disparando mísseis antinavio. Não há relato da extensão do dano à embarcação, apenas imagens divulgadas mostrando ferro retorcido no seu convés, e Zelenski disse que não houve vítimas.
“Nós vamos fazer todos os esforços para salvaguardar nossos portos, o mar Negro, as exportações de comida para o mercado global. Trigo e segurança alimentar nunca devem ser alvo para mísseis”, escreveu o presidente.
Moscou não comentou o episódio ainda. No ano passado, Vladimir Putin deixou um acordo mediado pela ONU e pela Turquia que permitia um corredor de exportação de grãos ucranianos, principal commodity do país.
Passou então a atacar a infraestrutura portuária tanto no Danúbio quanto na região de Odessa, maior terminal do vizinho. Aos poucos, contudo, o tráfego de navios na região foi retomado, sem um incidente tão grave registrado.
Os navios passam pelo corredor, e cerca de quatro milhões de toneladas de grãos são exportadas todo mês desde que o mecanismo foi estabelecido, em agosto do ano passado.
A ação, se confirmada nos termos descritos por Kiev, demonstra uma ampliação do momento de agressividade de Putin no conflito. O russo está avançando na região de Donetsk de forma inaudita, e pode ficar em posição de conquistar toda aquela área no leste ucraniano.
Tem dobrado a aposta nos ataques à rede energética do vizinho, que já perdeu 2/3 de sua capacidade de geração. E, nesta quinta (12), Zelenski e o Ministério da Defesa da Rússia confirmaram que Moscou iniciou uma contraofensiva em Kursk, região meridional russa invadida por Kiev.
Se o ataque no mar Negro virar uma campanha, o estrangulamento da linha econômica vital para a Ucrânia aumentará a pressão sobre Zelenski. Sua ação em Kursk, que empregou as melhores forças à sua disposição, já é alvo de críticas por ter enfraquecido a defesa em Donetsk.
O presidente já trocou metade de seu gabinete para concentrar poderes, e tem implorado à Otan para poder empregar mísseis de longo alcance contra alvos distantes no território russo. EUA e aliados temem que isso leve a uma escalada imprevisível na guerra, e o ataque ao navio pode ser uma sinalização nesse sentido.
IGOR GIELOW / Folhapress