Rússia estreia tanque kamikaze na Guerra da Ucrânia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Rússia estreou o emprego de tanques kamikaze na Guerra da Ucrânia, recheando antigos blindados com munição obsoleta e direcionando-os sem pilotos para explodir perto das forças que promovem a contraofensiva da Ucrânia no leste e sul ocupados do país.

É uma novidade de caráter dúbio acerca das capacidades militares de Moscou. Por um lado, é inventivo e barato, dado os enormes estoques acumulados ao longo das quatro décadas da Guerra Fria entre a União Soviética e os EUA, encerradas com o fim do império soviético em 1991.

Por outro, além da eficácia duvidosa, lança questões sobre o motivo de os russos estarem economizando armamento mais moderno: ele está em falta, como falas de autoridades sugeriram ao longo da semana passada, ou simplesmente está sendo reservado para uma guerra de longo curso contra Volodimir Zelenski?

Sem poder responder a essas questões, ficam os fatos. Desde o fim de semana, o canal no Telegram do Ministério da Defesa russo divulgou em duas ocasiões que antigos tanques da família T-54/55 e blindados leves foram usados contra posições ucranianas no sul de Donetsk, perto de Mariinka, leste do país invadido por Vladimir Putin.

O resultado de uma das ações, capturado por drone, é uma gigantesca explosão. Pelo vídeo, é possível ver que o veículo atingiu uma mina terrestre e parou. A pasta diz que ele então foi remotamente detonado, mas a imagem mostra o disparo de um projetil antitanque contra ele a partir da posição ucraniana.

No segundo vídeo, os russos mostram o preparo de um blindado multipropósito leve MT-LB para uma dessas ações kamikaze, sendo armado com cinco bombas de queda livre FAB-100 e 3,5 toneladas de explosivos, mas não há imagem dele em ação.

É incerto também se a divulgação faz parte de alguma campanha psicológica dos russos. Os T-54/55 entraram em serviço em 1948 e são os tanques mais construídos da história, com cerca de 100 mil unidades produzidas pela União Soviética.

Se de fato os russos farão disso uma prática é insondável. Do ponto de vista lógico, um T-54 em condição de rodar custa pouco menos do que um lançador equipado com míssil antitanque americano Javelin (US$ 180 mil, ou R$ 860 mil). Sai barato, assim como já havia sido visto na adoção bem-sucedida de kits com asas para antigas bombas “burras”, sem guiagem ativa, planarem contra defesas ucranianas.

Por outro lado, pode insinuar um certo desespero, como torcem nas redes os analistas pró-Ucrânia. Na semana passada, tanto Putin quanto o ministro Serguei Choigu (Defesa) falaram que a Rússia precisa de mais tanques.

Levando em conta apenas perdas registradas e confirmadas em imagens pelo site holandês Orxy, Moscou já perdeu 2.047 tanques, o equivalente a quase 2/3 de sua frota moderna de pré-guerra. Mas a conta, além de imprecisa, inclui pelo menos 552 veículos obsoletos.

Do outro lado, a fortes perdas ucranianas têm sido parcialmente repostas pela introdução de tanques e blindados ocidentais, e novas encomendas estão sendo feitas às pressas. A estrela do time, o Leopard-2 alemão, já teve ao menos cinco perdas confirmadas pelo Oryx. Putin afirmou na semana passada que até 30% do material doado pela Otan a Kiev já havia sido perdido.

Táticas kamikaze ganharam esse nome no fim da Segunda Guerra Mundial, quando pilotos japoneses jogavam seus caças contra navios americanos —o termo significa “vento divino” em japonês. Naturalmente, os russos não estão cometendo ataques suicidas, mas a denominação pegou, tanto que drones empregados por Moscou e Kiev assim são chamados por serem jogados contra os alvos.

ZELENSKI VÊ CONTRAOFENSIVA LENTA; PODER AÉREO RUSSO FAZ DIFERENÇA

Nesta quarta-feira (21), o presidente ucraniano afirmou que a contraofensiva iniciada no último dia 4 está “mais lenta do que o desejado”, em videoconferência com o Parlamento britânico.

Concorre para isso o ressurgente papel da Força Aérea Russa, que mostrou-se comedida após perdas para mísseis portáteis ocidentais no começo da guerra e, depois, passou a atuar mais em ataques de longa distância. É uma prova de adaptação tática dos russos, que melhoraram segundo analistas ocidentais seu desempenho ao longo do conflito.

Agora, tomando a iniciativa, forças ucranianas tentam romper defesas, alertando assim os invasores. Aí são atacadas ou com artilharia guiada por drones ou, como se mostra cada vez mais comum pelos relatos, por helicópteros e aviões.

Comprova o cenário a série de vídeos de helicópteros de ataque, notadamente o modelo Ka-52, em ação. Segundo o Oryx, ele foi o que mais sofreu na guerra até aqui, com 35 perdas na Ucrânia —entre 20% e 30% de sua frota pré-conflito.

Agir mais implica riscos: ganhou notoriedade um vídeo de uma dessas máquinas voando sem a cauda, atingida por míssil terra-ar em combate, salvo pela configuração com duas hélices principais em rotação oposta. Segundo relato publicado nesta terça-feira (20) pelo jornal britânico Financial Times, o Ka-52 é o maior pesadelo dos operadores de blindados ucranianos neste momento.

Seja como for, o renovado emprego do poder aéreo é um problema para os ucranianos. Suas defesas originais, compostas por mísseis S-300 soviéticos, já estão praticamente esgotadas, e não há reforço ocidental suficiente neste campo.

O país recebeu um número incerto de caças MiG-29 da Polônia e da Ucrânia, enquanto espera o americano F-16 de aliados da Otan ou o F-18 australiano, mas por ora eles são presas fáceis para as baterias russas. Neste campo, Kiev ainda depende do uso improvisado de drones.

Também ficaram para trás as táticas desleixadas dos russos no começo da guerra, com colunas blindadas expostas sem apoio de infantaria que marcaram o fracasso da tentativa de capturar Kiev. Isso já se viu nos combates que culminaram com a queda de Bakhmut, em Donetsk, em maio.

Do lado ucraniano, ainda está para ser vista a prometida grande ação sob o conceito ocidental de armas combinadas, ou seja, um avanço coordenado de infantaria, artilharia e forças mecanizadas —o apoio aéreo é bem mais restrito. A Otan treinou e equipou cerca de 45 mil soldados, dos talvez 60 mil em ação na contraofensiva, para isso.

IGOR GIELOW / Folhapress

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