SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ano de 2024 marcou um “ponto da virada” em favor da Rússia na Guerra da Ucrânia, e o endurecimento da crise com o Ocidente faz o país se preparar para um “possível conflito” com a aliança militar Otan na próxima década.
O cenário sombrio foi pintado em encontro do presidente Vladimir Putin com a cúpula do estamento militar russo, nesta segunda (16) em Moscou. O triunfalismo acerca de uma eventual vitória sobre o vizinho no ano que vem foi temperado com previsões catastrofistas: qualquer guerra com a Otan pode tornar-se mundial e nuclear.
Coube ao presidente repetir sua usual retórica. “O Ocidente empurrou a Rússia para linhas vermelhas, e fomos obrigados a responder”, disse, acerca da autorização de EUA e aliados para que Kiev empregue mísseis ocidentais contra o território russo.
Desde o começo do conflito em 2022, disse o ministro Andrei Belousov (Defesa), 86 mísseis de cruzeiro franco-britânicos Storm Shadow, 215 mísseis de artilharia ATACMS americanos e mais de 27 mil drones foram abatidos pelas defesas russas. Não há como checar esse dado.
Putin voltou a exibir como trunfo o novo míssil balístico intermediário do país, o Orechnik (aveleira, em russo), que foi demonstrado em ação com suas múltiplas ogivas desenhadas para o emprego de armas nucleares contra a Ucrânia no fim de novembro.
O líder russo disse que se os Estados Unidos mudarem a política de posiciona mísseis de alcance intermediário na Europa, a Rússia fará o mesmo o tratado que regulava isso foi abandonado por Donald Trump em 2019.
É mera retórica: os mísseis russos já têm alcance para atingir alvos europeus e o Orechnik, que ainda está em fase experimental, já teve sua instalação na vizinha Belarus anunciada pelo governo da ditadura aliada do Kremlin. Ou seja, junto à fronteira da Otan na Polônia, Lituânia e Letônia.
Belousov forneceu números para o discurso de Putin, desta vez usando dados que são corroborados por monitores independentes de informações de fontes abertas. Disse que 2024 viu o maior avanço dos russos na Ucrânia, com a tomada de 4.500 km2, o equivalente a três cidades de São Paulo em área.
Foram conquistados 189 cidades e vilarejos, a maioria na região de Donetsk (leste). Lá, em Zaporíjia e Kherson (sul), a Ucrânia ainda domina de 25% a 30% do território, enquanto em Lugansk (leste), apenas 1%, disse o ministro.
Essas quatro regiões foram anexadas por Putin em 2022 e são oficialmente seu objetivo em solo hoje no conflito. Moscou também quer a neutralidade militar e o desarmamento da Ucrânia, cujo presidente Volodimir Zelenski tem aceitado progressivamente discutir ao menos a questão territorial, algo antes impensável.
O fator Trump, que voltará à Casa Branca em janeiro, pesa: o republicano já disse que é contra os ataques contra alvos russos e quero fim da guerra com negociação, ou seja, admissão de perdas por parte de Kiev na prática.
Belousov também disse que a guerra já matou ou feriu 1 milhão de soldados ucranianos, 560 mil deles só em 2024. Esse dado não é aferível e tende a estar exagerado, assim como as estimativas de baixas russas feitas por Kiev, de 765 mil.
Putin tripudiou da cobrança americana para que os ucranianos baixem a idade mínima de mobilização de 25 para 18 anos. “Nem que baixem para 14 anos isso mudará a situação em campo”, afirmou, enquanto Belousov disse que 427 mil militares entraram nas forças russas por contrato neste ano.
Segundo o ministro, “o Ministério da Defesa está se preparando para um possível conflito militar com a Otan na Europa na próxima década”. Ele citou as prioridades de rearmamento ocidentais anunciadas na cúpula da organização, em julho. A Alemanha já disse esperar um ataque no fim desta década.
Para isso, ele disse que é preciso completar a recriação dos distritos militares de Moscou e Leningrado, que até aqui ficavam sob a asa de um comando único para todo o oeste russo.
Por fim, o ministro anunciou, a exemplo do que já havia feito neste ano a Ucrânia, que a Rússia irá completar até o fim de 2025 uma unidade independente de drones, como um novo ramo das Forças Armadas. É um sinal do peso inequívoco dos veículos não tripulados na guerra moderna, dado que a conflito atual é o primeiro em que eles estão sendo usados em larga escala.
IGOR GIELOW / Folhapress