SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Banco Central do Brasil deve começar um novo período de elevação da taxa básica de juros, Selic, neste mês, conforme apostas do mercado e análise de economistas. Essa alta, porém, é incomum em relação aos últimos ciclos, o que deve impactar os investimentos de um jeito diferente.
Um dos fatores que tornam o novo ciclo atípico é o fato de ele não acontecer em meio a uma crise de pressão inflacionária. A inflação corrente está de certa forma comportada, como dizem os especialistas, mas o problema é que se esgotaram os vetores que levaram o Brasil a um processo de desinflação, e alguns fatores preocupam em relação ao futuro.
Por isso as expectativas para taxa de inflação estão cada vez mais distantes da meta, de 3%.
Além da seca, que traz incômodo mais de curto prazo para os preços de energia e alimentos, o forte consumo das famílias em meio a um mercado de trabalho aquecido e uma atividade econômica em crescimento acima das expectativas são propulsores de alta da inflação.
Somado a esse quadro, a arrumação das contas públicas do Brasil ainda é um ponto de incerteza. Grande parte do crescimento acima do esperado do PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre veio dos investimentos feitos pelo governo, que adota uma política econômica expansionista e traz temores de um descontrole da dívida pública, com impactos na inflação.
Além disso, ainda há dúvidas sobre como se comportará o indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o comando do Banco Central, Gabriel Galípolo. O fato de diretores do Copom (Comitê de Política Monetária) indicados pela gestão atual e os diretores indicados pelo governo anterior terem divergido em uma decisão de juros há alguns meses deixou os investidores ressabiados.
“Galípolo quer comprar a credibilidade do mercado neste momento. Tanto que é incomum antes da troca de comando do BC haver mudança na política monetária. O mais comum é que haja manutenção da política como ela está e, depois da troca de comando, aí sim haver alteração, seja para apertar ou afrouxar a taxa de juros”, diz João Ferreira, sócio e especialista de renda fixa da One Investimentos.
O economista Andre Perfeito, economista-chefe e sócio da consultoria APCE, chama atenção para o fato de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, estar atualmente indicando juros em patamar mais baixo, enquanto Galípolo, nome de Lula, está sinalizando alta mais forte. Há alguns meses, os posicionamentos eram o inverso.
Para Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, também pode-se dizer que o novo ciclo de juros que está se desenhando é atípico em relação, especificamente, aos dois últimos (tanto o de alta como o de baixa) porque este agora guarda mais relação com o ambiente doméstico, enquanto os dois últimos estavam inseridos em uma situação macroeconômica global do período pandêmico.
Por tudo isso, os especialistas enxergam que o próximo ciclo de alta de juros deve ser curto, com volta dos cortes no segundo semestre de 2025. Mesmo porque a Selic já está em um patamar elevado, considerado mais restritivo para a economia.
“Não tem espaço para esses juros ficarem altos durante muito mais tempo, porque esses motivos todos tendem a se normalizar com um ciclo de alta da Selic”, diz Andre Perfeito.
“Especialmente porque, com a queda de juros nos Estados Unidos, o diferencial de juros vai ficar muito mais favorável para o Brasil”, afirma em menção a uma valorização da moeda brasileira esperada, conforme os estrangeiros buscam ativos de mais risco em países emergentes para compensar os prêmios menores pagos pelos títulos públicos americanos.
Nesse cenário, especialistas acreditam que a alta de juros não deve afugentar os investidores dos ativos de risco como ocorreu em outros ciclos do passado.
“Se o BC trouxer um comunicado bem feito, que controle as angústias do mercado e faça com que as taxas dos contratos de juros de longo prazo fiquem controladas e até cedam, ativos de risco podem ir bem, como a Bolsa e a renda fixa de longo prazo”, diz Marco Bismarchi, sócio e gestor de portfólio da TAG Investimentos.
João Ferreira, da One Investimentos, não recomenda que os investidores que já estão na Bolsa zerem suas posições, ou seja, abram mão de aplicar nas ações.
Ele argumenta que, em um período de incertezas como o atual, a reprecificação da Bolsa pode acontecer de repente, com aumento dos preços das ações.
Isso pode acontecer principalmente se os investidores estrangeiros, animados com as quedas de juros no exterior, aportarem no mercado acionário brasileiro com força. Se isso acontecer, quem saiu da Bolsa pode perder oportunidades.
Ainda assim, ele recomenda cautela. Mesmo que o próximo ciclo de juros seja curto, uma alta agora significa Selic em patamar elevado por mais tempo, o que deve impactar de certa forma os lucros das empresas cuja atividade é mais atrelada aos ciclos econômicos.
“Dada a reatividade do mercado e as oscilações extremas, é difícil neste momento montar posições estruturais e profundas, porque o mercado pode virar e o investidor perder oportunidades”, diz.
Na Bolsa, ele recomenda ficar mais de olho em ações de empresas que sofrem menos influência dos juros, como o setor de Utilidades Públicas, que engloba energia, saneamento e gás.
Na renda fixa, a recomendação também é de cautela. Mesmo com expectativa de um ciclo curto, se o BC achar que precisa subir juros por mais tempo, as pessoas podem ficar com os investimentos travados em taxas de retorno defasadas no futuro.
Carla Argenta, da CM Capital, recomenda mesclar entre títulos de renda fixa pré-fixados, ou seja, com taxas pré-definidas, e os pós-fixados, principalmente atrelados ao IPCA, que costumam servir como posição defensiva, já que protegem da inflação.
“Em pouco tempo já tivemos uma pandemia, guerra na Ucrânia, então, o inesperado sempre acontece. Esses títulos são sempre importantes para proteger o investidor daquilo que é inimaginável”, argumenta Argenta.
Além disso, João Ferreira lembra que os títulos do Tesouro pós-fixados voltaram a ter uma rentabilidade interessante, pagando IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) mais uma taxa superior a 6%.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress