RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Polícia Civil do Rio de Janeiro iniciou nesta segunda-feira (14) uma operação para investigar o laboratório PCS Saleme, apontado como responsável pela emissão dos laudos com resultados falsos que resultaram em transplantes de órgãos infectados com HIV em seis pacientes.
Entre os principais investigados estão o médico ginecologista Walter Vieira, sócio do laboratório, e Ivanilson Fernandes dos Santos, responsável técnico pelos laudos, ambos presos nesta segunda, sob a suspeita de envolvimento na fraude.
Segundo a polícia, o técnico de laboratório Cleber de Oliveira Santos e a técnica em patologia clínica Jacqueline Iris Bacellar de Assis são considerados foragidos.
Os investigados respondem a acusações como falsidade ideológica, falsificação de documentos, infrações sanitárias, crimes contra as relações de consumo e associação criminosa.
Um dos principais alvos, Walter Vieira, 61, teria assinado os exames dos órgãos do primeiro doador. Ele era presidente do Comitê Gestor de Vigilância e Análise do Óbito Materno Infantil e Fetal do município de Nova Iguaçu. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde da cidade, o médico exercia o cargo de forma não remunerada e foi afastado da função na sexta-feira (11), após a repercussão do caso.
Walter é casado com a tia do deputado federal e ex-secretário de Saúde do Rio Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho, atual líder do PP (Progressistas) na Câmara dos Deputados. O parlamentar foi secretário de saúde entre janeiro e setembro de 2023.
Embora Doutor Luizinho não esteja mais no cargo, ele ocupava a posição de secretário durante o processo de contratação do laboratório pelo governo do Estado do Rio. Em nota, o deputado afirmou que espera que o caso seja investigado de forma rápida e que os culpados sejam punidos “exemplarmente”.
Dono do PCS Saleme, Walter Vieira é pai de Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, sócio-diretor da empresa, e primo de Luizinho.
Segundo a polícia, Matheus não foi alvo de mandado de prisão na operação porque os alvos desta segunda “estavam relacionados à cadeia de elaboração dos laudos”. Ele prestou depoimento e foi liberado.
O laboratório afirmou, em nota no domingo (13), que os resultados preliminares de uma investigação interna indicam que um erro humano levou à infecção com o vírus HIV das seis pessoas que receberam transplantes de órgãos no estado do Rio de Janeiro.
Os advogados que representam o PCS Saleme informaram que os sócios da empresa “prestarão todos os esclarecimentos à Justiça”.
A defesa de Walter e Matheus disse ainda repudiar a “suposta existência de um esquema criminoso para forjar laudos dentro do laboratório, uma empresa que atua no mercado há mais de 50 anos”.
A Patologia Clínica Doutor Saleme LTDA foi fundada em setembro de 2005 pelo médico Walter Vieira e as irmãs Márcia e Eliane Vieira. Ambas também são citadas no processo de investigação.
Os serviços de laboratório clínico foram incluídos em 2021, quando Eliane transferiu sua participação na empresa para seu sobrinho Matheus.
Além da sede em Nova Iguaçu (interditada desde a semana passada), o laboratório possuía uma filial em Belford Roxo, também na Baixada Fluminense. Cada unidade contava com cerca de 20 funcionários.
A Folha de S.Paulo mostrou que ao menos 17 hospitais públicos são atendidos pelo laboratório investigado.
Técnico do PCS Saleme, Ivanildo Fernandes dos Santos, 61, foi preso nesta segunda sob suspeita de envolvimento na emissão de laudos fraudulentos. Ele era responsável por fazer a análise clínica no material que chegava da Central Estadual de Transplantes, e teria assinado o laudo que atestou a segurança dos órgãos transplantados.
Até o ano passado, tinha um cargo de técnico em patologia clínica na Secretaria Estadual de Saúde. Também foi dirigente do serviço público na Fundação Saúde, além de ter atuado como técnico em, pelo menos, oito unidades de saúde particulares.
A defesa de Santos disse que só irá se posicionar após ter conhecimento do inquérito.
Outro investigado é Cleber de Oliveira dos Santos, que, segundo a investigação, tinha a mesma função de realizar a análise clínica dos órgãos. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dele, que está foragido.
A polícia também procura pela Jacqueline Iris Bacellar de Assis, 36, que teria assinado laudos no laboratório PSC Saleme, de acordo com a investigação.
Em entrevista à Folha de S.Paulo antes de ser declarada foragida, a profissional disse que começou a trabalhar no local como supervisora administrativa em outubro de 2023 e que não assinava laudos. Segundo ela, seu nome estaria sendo usado como “laranja”. O advogado de Jacqueline, José Félix, afirmou, no entanto, que ela vai se entregar.
Nesta segunda-feira (14), a Polícia Civil informou que o PCS Saleme operava com redução do controle de qualidade para obter lucro.
Segundo o delegado André Neves, houve uma determinação para que a análise dos reagentes, que deveria ser diária, passasse a ser semanal. “Assim, diminuíram o controle e assumiram, com essa lacuna, a chance de ter uma falha”, disse. A suspeita é de que o grupo tenha falsificado laudos também em outros casos.
Na ação desta segunda, a Polícia Civil cumpriu 11 mandados de busca e apreensão e quatro de prisão na cidade do Rio de Janeiro e em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.
Em outra frente, o MPRJ (Ministério Público do Rio) abriu investigação sobre a contratação do PCS Lab Saleme pelo governo do estado. A Polícia Federal também investiga o caso.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress