Saidinha precisava de mudanças, diz especialista; entidades veem retrocesso

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A aprovação do projeto de lei que proíbe as saidinhas temporárias de presos tem opiniões divergentes. Se para organizações, o veto vai impedir a ressocialização dos detentos, especialista em segurança pública afirma que o benefício precisava de mudanças e agora poderá ser corrigida uma “irracionalidade de seu emprego”.

O texto foi aprovado nesta quarta-feira (20) em votação simbólica pela Câmara dos Deputados. Como ele já tinha passado pelo Senado, agora segue para sanção do presidente Lula (PT).

O projeto aprovado também passa a exigir exame criminológico para mudança de regime prisional.

A Rede Justiça Criminal afirma que a saidinha é um importante instrumento para manutenção de laços familiares, inserção e permanência no mercado de trabalho, além de dar acesso a outras oportunidades.

“É assustadora a aprovação. O Brasil não tem política de ressocialização e a saidinha é um dos poucos momentos que possibilita o preso de interagir com sua família”, diz Leonardo Santana, assessor de advocacy da entidade.

Santana também critica a aprovação de exame criminológico para mudança do regime.

“Tem ainda um impacto econômico de contratação [do exame]”, diz ele, que prevê que a lei pode inviabilizar a progressão, uma vez que o sistema carcerário não possui funcionários capacitados suficientes para aplicar o exame.

Em fevereiro, reportagem da Folha de S.Paulo ouviu advogados que afirmaram que o exame não tem eficácia comprovada cientificamente. Por isso, deixou de ser exigido no país em 2003 e demora, em média, quatro meses para ser elaborado, o que pode inflar ainda mais o sistema penitenciário brasileiro.

Recentemente, a coalizão de 60 organizações, que inclui a Rede Criminal de Justiça, calculou que a restrição da saída temporária de presos pode custar R$ 30 milhões a mais aos cofres públicos do estado de São Paulo.

Isso porque os estados vão ter que contratar profissionais aptos para a realização do exame. A coalizão alega que os exames criminológicos não possuem base científica.

A nota técnica prevê que o exame criminológico vai fazer com que os processos tramitem de forma ainda mais lenta, contribuindo para a superlotação carcerária.

“Atualmente, os exames criminológicos demoram, no mínimo, quatro meses para serem elaborados, em razão da precarização das equipes técnicas das unidades prisionais.”

Santana cita a tramitação sem debate do projeto e lembra que quando teve início, em 2022, o plenário estava vazio em decorrência da proximidade das eleições presidenciais e teve votação online.

Depois da aprovação na Comissão de Segurança Pública do Senado Federal, foi aprovado um requerimento de urgência para que o projeto fosse votado direto no Plenário da Casa Revisora, ou seja, alterando o curso do processo que exige o debate do texto em outras comissões temáticas.

“Os parlamentares não suportam mais esperar. Agora, temos as eleições municipais e eles querem levar esse tema para as campanhas”, diz Santana, que considera o negacionismo como uma das características da tramitação.

“Levamos dados e ninguém teve interesse. Os parlamentares quiseram aprovar o projeto sem levar em conta os dados que apresentamos.”

Marina Dias, diretora do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), lembra que a autorização da saidinha se dá desde que a pessoa cumpra diversos requisitos. “Não se trata de uma ‘festa da uva’. O preso pode ser impedido de se reconectar com a família e sociedade e isso esvazia o propósito da ressocialização.”

Ela lamenta a aprovação e considera um retrocesso na política criminal. “Não avançamos no fortalecimento das garantias, como educação, moradia, mas apostamos em uma expansão no controle punitivo do estado”, diz.

José Vicente da Silva, coronel reformado da Polícia Militar e especialista em segurança pública, afirma que é necessário repensar a política das saidinhas e considera que é melhor que os presos “saiam com algum preparo”.

Silva concorda que detentos violentos, com reincidência de crimes e que façam parte de altos postos em facções também não devem ser beneficiados com a medida.

“É uma irracionalidade que as saídas sejam em datas comemorativas”, diz ele. “É mais benéfico que sejam realizados rodízios ao longo do ano, em diferentes datas, para não sobrecarregar a polícia e que ela possa monitorar esses presos nos locais em que ficam durante o período [fora da cadeia.}.”

ISABELLA MENON / Folhapress

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