SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – As comunidades do Calabar e Alto das Pombas, em Salvador, que enfrentam confrontos entre policiais e duas facções criminosas rivais, vivem um cenário de medo, com moradores em fuga, famílias trancadas em suas residências e casas na linha de tiro dos conflitos.
A reportagem conversou com moradores dos dois bairros, que se disseram assustados com o poder bélico e nível de violência dos criminosos, que nesta segunda-feira (4) incluiu toque de recolher e até mesmo a ameaças a 17 moradores que foram mantidos em cárcere privado.
Escolas não abriram as portas, postos de saúde funcionaram de forma parcial, igrejas evangélicas suspenderam cultos e apenas parte do comércio abriu as portas nos bairros. A ação policial deixou um saldo de oito presos, dez mortos e seis fuzis apreendidos.
Os primeiros confrontos entre as facções Comando Vermelho e BDM (Bonde do Maluco), que disputam o domínio do tráfico de drogas na região, começaram na noite de sexta-feira (1º) e se mantiveram ao longo do fim de semana.
Mas a violência cresceu na manhã de segunda, quando houve tiroteios intensos entre os criminosos nas ruas e vilelas dos bairros, além de confrontos com equipes da Polícia Militar.
O episódio é mais um capítulo da crise na segurança pública enfrentada pelo governo Jerônimo Rodrigues (PT), que inclui o acirramento da disputa entre facções, chacinas e escalada da letalidade policial.
A Bahia é o estado com maior número absoluto de mortes violentas do Brasil desde 2019, apontam dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Calabar e Alto das Pombas são vizinhos e entrelaçados, abrigam cerca de 10 mil habitantes e ficam no entorno de bairros como Federação, Barra e Ondina. Surgiram como invasões em terrenos que pertenciam ao Cemitério Campo Santo até serem regularizadas após anos de luta dos moradores.
Pela localização estratégica e proximidade com bairros ricos da cidade, as comunidades se tornaram um dos epicentros da disputa entre traficantes de drogas em Salvador.
“Os tiroteios já vinham acontecendo nos últimos dias, mas ontem [segunda] foi drástico. A gente sabe que a violência está em todos os lugares, mas do jeito que está, é insustentável”, afirmou uma moradora do bairro, que pediu anonimato com medo de retaliações.
Ela afirma que passou o dia trancada dentro de casa, ouvindo o barulho de tiros que vinham de uma localidade relativamente próxima à sua rua: “Passei o dia apreensiva, principalmente porque conheço muita gente que mora lá dentro do foco do conflito”, diz.
Recebeu mensagens de preocupação de amigos, familiares e colegas de trabalho. E viu muitos de seus vizinhos deixaram suas casas, incluindo uma inquilina que aluga um imóvel do qual é dona e foi dormir na casa de uma amiga.
Um líder comunitário ouvido pela reportagem disse que o nível de violência nos confrontos foi o que mais assombrou os moradores dos bairros, principalmente os casos em que os criminosos mantiveram famílias em cárcere privado sob a ameaça de armas: “Nunca vi isso acontecer aqui no bairro”.
Historicamente, o tráfico de drogas na região era dominado por membros da família Floquet. Mas nos últimos anos a região se tornou área de influência do traficante Averaldinho, preso em fevereiro deste ano em Guarajuba, praia do litoral norte da Bahia.
Com a prisão do líder do tráfico da região, a família Floquet teria se aliado ao Comando Vermelho para retomar o controle das comunidades. Um grupo com cerca de 30 homens fortemente armados entraram no Alto das Pombas a partir de vielas nas proximidades do bairro da Federação.
Mesmo sendo pequeno, o bairro é dividido em áreas de influência dos traficantes. Na região do Largo do Camarão, quem domina é o grupo ligado a Averaldinho. Já o trecho conhecido como Bomba, que fica nos fundos do cemitério Campo Santo, é área controlada pela família Floquet.
O confronto fez com que famílias das principais áreas de atuação dos dois grupos criminosos deixassem suas casas. Parte dos imóveis passou a ser utilizada como esconderijo de traficantes. Desde o último fim de semana, casas foram arrombadas e telhados foram destruídos durante a fuga de criminosos.
Desde 2011, o Calabar abriga uma Base Comunitária de Segurança, unidade inspirada no modelo da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) que foi adotado no Rio de Janeiro no mesmo período.
As bases comunitárias foram um dos carros-chefe da política de segurança pública adotada pelo então governador Jaques Wagner (PT) e foi expandida durante os governos de Rui Costa (PT), hoje ministro da Casa Civil do governo Lula.
A iniciativa é elogiada por moradores do Calabar pelas ações sociais voltadas para crianças e jovens que incluem aulas de judô, caratê, capoeira, balé e bombeiro mirim. O efetivo policial da base, contudo, é considerado pequeno e a unidade depende do apoio de tropas especializadas no combate ao tráfico.
Nesta terça-feira (5), moradores relataram um clima estava um pouco menos tenso nas ruas do Calabar e Alto das Pombas. Parte do comércio reabriu, mas poucos clientes que se arriscaram a andar pelas ruas das comunidades. As escolas municipais permaneceram fechadas, deixando 1.042 alunos sem aulas.
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, classificou a ação da polícia como uma resposta a grupos criminosos que tentam demonstrar poder bélico e desafiar as forças de segurança, causando pânico e temor na população das periferias.
Werner ainda descartou a possibilidade de uma intervenção federal na segurança pública da Bahia: “A gente tem mostrado, pelas ações que estão sendo realizadas ao longo deste ano, que estamos fazendo frente ao crime”.
Comandante-geral da Polícia Militar da Bahia, o coronel Paulo Coutinho destacou que as ações de policiamento ostensivo no Alto das Pombas e Calabar devem permanecer nos próximos dias e que não há previsão de encerramento.
Jerônimo Rodrigues prometeu “pulso firme no combate à violência” e disse que vai enfrentar com rigor o crime organizado.
“O trabalho de avaliação, monitoramento e orientação das nossas forças é constante, seguindo a missão de proteger vidas, respeitando os direitos humanos e garantindo o cumprimento da lei”, disse.
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress