Sambódromo do Rio de Janeiro celebra 40 anos consagrado como palco maior do Carnaval brasileiro

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Lugar onde o samba evolui. Assim pode ser definida a palavra “sambódromo”, criada pelo próprio mentor do espaço, o antropólogo Darcy Ribeiro. A ideia era dar um apelido popular para o templo do Carnaval no Rio de Janeiro. Pegou. Quarenta anos se passaram e quase ninguém se lembra do nome oficial, Passarela Professor Darcy Ribeiro.

“Você tem autódromo por conta de carro, velódromo para bicicleta, e teve sambódromo pro Darcy. E aí colou”, conta o professor de história e escritor Luiz Antonio Simas.

Mas a quem importa? Nem o idealizador da obra fez questão das honras. Afinal, o sambódromo dispensa cerimônia. É o lugar da bagunça organizada capaz de transformar uma passarela cinza em uma travessia de cores e exuberância.

Apoteótica mesmo vazia. É pisar naquele chão que o coração pulsa na mesma velocidade das obras, que duraram apenas quatro meses.

Em tempo recorde, a Marquês de Sapucaí ganhou a estrutura que virou o palco definitivo das escolas de samba e mudou o sistema de desfiles naquele 2 de março de 1984. O monumento marcava o início de uma nova era do Carnaval brasileiro.

Tudo começou na praça Onze, que fica na mesma região do centro do Rio, no limite com o bairro da Cidade Nova, onde está o sambódromo. Foi ali que a Deixa Falar, considerada a primeira escola de samba da cidade, inaugurou o que seria o início dos desfiles, em 1929. No ano seguinte já havia cinco escolas se apresentando, e o evento virou um concurso.

Com a demolição da praça Onze, no início dos anos 1940, as apresentações foram para a então recém-inaugurada avenida Presidente Vargas e Rio Branco, na mesma região. “Era um perrengue. Uma corda separava o público das escolas. As pessoas levavam seus próprios caixotes para ficar em cima e conseguir assistir às apresentações”, diz Simas.

Mas os desfiles se popularizaram, crescendo em tamanho e importância. A partir de 1952, arquibancadas provisórias começam a ser montadas para o público. A estrutura era colocada para a festa, e depois precisava ser desmontada.

Ter uma área definitiva para a apresentação das escolas de samba virou uma demanda popular até se transformar em debate político. Chegou a ser discutida a possibilidade de colocar o sambódromo no autódromo de Jacarepaguá, mas acabou prevalecendo a região da Marquês de Sapucaí.

O assunto foi promessa de campanha eleitoral de 1982. Eleito, o governador Leonel de Moura Brizola decidiu que a obra sairia do papel. O vice Darcy Ribeiro idealizou o espaço e então chamou um amigo, o arquiteto Oscar Niemeyer, para projetar a estrutura.

A obra começou em outubro de 1983, e o sambódromo foi inaugurado no Carnaval de 1984.

“Foi uma correria desenfreada. Eu diria até que foi uma aventura”, diz o arquiteto João Niemeyer, que participou do projeto com o tio Oscar. Ele conta que havia milhares de operários trabalhando em ritmo alucinante, em revezamento, 24 horas por dia.

“Os desenhos ficavam prontos, chegavam na obra e no dia seguinte estavam sendo executados”, conta o arquiteto, citando a parceria do tio com o engenheiro José Carlos Sussekind, responsável pelos cálculos estruturais.

No dia 2 de março daquele ano, a Império do Marangá, que fazia parte do grupo de acesso da época, foi a primeira a atravessar a Passarela do Samba. Uma breve cerimônia de inauguração antecedeu o desfile.

Para Luiz Antonio Simas, o que marcou o Carnaval daquele ano, no entanto, foi o desfile de volta da Mangueira. O historiador ressalta que as escolas ainda buscavam entender como aproveitar o novo espaço e o que fazer ao final da apresentação. Última a se apresentar, a Estação Primeira cruzou a base do grande arco que é a marca registrada da praça da Apoteose e os componentes decidiram seguir o caminho de volta para o início da pista. E lembra que o público foi à loucura com o bis espontâneo da Mangueira, que ganhou o título daquele ano.

“Ninguém podia esperar. Foi um impacto muito grande. Todo mundo queria saber o que fazer quando chegasse naquele ponto, e a Mangueira foi a que melhor usou. Foi um recurso que, naquele momento, deu certo”, afirma Simas.

Na verdade, a inauguração do sambódromo foi marcada por um título duplo. É que naquele ano começou o novo sistema de desfiles, que dividia as apresentações em duas noites, assim como é hoje. A diferença é que na época havia uma campeã para cada noite.

A Portela levou a melhor no domingo, e a Mangueira, na segunda-feira. No sábado do Supercampeonato -atual Desfile das Campeãs-, a verde e rosa enfim levou o título do primeiro Carnaval da Passarela do Samba. Apesar disso, as duas agremiações levaram o troféu, e houve quem não considerasse o título da Portela. Com toda a polêmica, o modelo da disputa nunca mais se repetiu.

A área de desfile hoje tem cerca de 800 metros. “De certa forma, o sambódromo verticaliza os desfiles porque é uma estrutura que vai subindo, as arquibancadas são bastante altas. Com isso, começa a ter carros cada vez maiores, as alegorias vão crescendo de dimensão até por uma questão de proporção. Então, a gente começa a ter uma estrutura que é marcada pelo gigantismo, e isso modificou os desfiles”, disse.

O monumento se tornou um ícone arquitetônico do Rio e desencadeou uma onda de construção de “sambódromos” em várias capitais, como São Paulo, Florianópolis, Vitória, Porto Alegre e Manaus.

Foi tombado em 1994 como Patrimônio Histórico, mas foi destombado em 2011 por causa das obras de ampliação para receber as Olimpíadas em 2016 -o sambódromo sediou a largada e a chegada da maratona.

Após a reforma, o espaço aumentou sua capacidade de 60 mil para 72.500 pessoas nos seus 13 setores.

A estrutura marcada por gigantismo primeiro teve o nome oficial de Avenida dos Desfiles. Posteriormente, mudou para Passarela do Samba e, a partir de 18 de fevereiro de 1987, passou a ser Passarela Professor Darcy Ribeiro.

Passarela de histórias

No centenário da abolição da escravidão, em 1988, a maior parte dos enredos foi sobre a temática abolicionista. E a Vila Isabel conquistou seu primeiro campeonato no Grupo Especial com Kizomba, a Festa da Raça, um samba que a avenida inteira cantou.

“É um Carnaval emblemático, muito significativo se você pensar que as escolas de samba são instituições criadas pela população afrodescendente, o centenário da abolição tem um impacto enorme”, diz Simas.

No ano seguinte, 1989, um desfile marcaria o final da década: Beija-Flor com a imagem do Cristo Redentor encoberto. O então carnavalesco da azul e branco, Joãosinho Trinta, planejava levar para a avenida uma alegoria que representaria o Cristo cercado de mendigos, mas a Arquidiocese do Rio vetou. A escola então desfilou com o monumento encoberto por saco de lixo e a frase: “Mesmo proibido, olhai por nós”.

Apesar de entrar para a história, quem venceu aquele Carnaval foi o luxo da Imperatriz Leopoldinense, com um samba que já nasceu um clássico. “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós, e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz.” Com um desfile impecável, conquistou o campeonato.

O sambódromo também já foi palco de inovações marcantes. Em 2001, por exemplo, o dublê norte-americano Eric Scott, de uma empresa de efeitos especiais, sobrevoou a Marquês de Sapucaí como destaque da comissão de frente da Grande Rio. Ele fez quatro voos na avenida, numa máquina de propulsão a jato criada pela Nasa. Ainda tirou o capacete e sambou.

Naquele ano, a Grande Rio homenageou o profeta Gentileza, um místico que circulava pelas ruas do Rio pintando mensagens de paz em pilares de viadutos.

Entre os momentos de glória houve também os de tristeza. Em 2017, um carro alegórico desgovernado do Paraíso do Tuiuti atropelou e matou a jornalista Elizabeth Ferreira Jofre durante os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial. Ao todo, 20 pessoas ficaram feridas. A jornalista, conhecida como Liza Carioca, morreu em decorrência dos ferimentos. A Liesa decidiu não punir a escola na época.

Em 2022, no Carnaval fora de época por causa da pandemia, uma menina de 11 anos morreu após sofrer um acidente na dispersão do sambódromo. Raquel Antunes da Silva teve as pernas prensadas entre um carro alegórico da escola de samba Em Cima da Hora e um poste na rua Frei Caneca.

ALÉXIA SOUSA / Folhapress

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