SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A falta de padrões mínimos nas calçadas ainda é um obstáculo para o trânsito seguro de pedestres em São Paulo, seja em áreas periféricas seja em distritos da região central, como Brás e República.
Mas a resolução de um problema com responsabilidades compartilhadas entre o poder público e milhares de proprietários parece distante. Para especialistas, a administração municipal deveria assumir de vez a gestão das calçadas, para garantir ao menos o mínimo de segurança aos pedestres.
Pela lei paulistana, os donos de imóveis precisam cuidar das calçadas e adequá-las, enquanto a prefeitura é responsável por rampas de acesso. A cidade também já criou programas para esses espaços, como o PEC (Plano Emergencial de Calçadas) de 2019, que mapeou 7,2 milhões de metros quadrados a serem recuperados pelo poder público.
Dos 1,5 milhão de metros quadrados com manutenção até o fim deste ano, a gestão Ricardo Nunes (MDB) fez, até 3 de dezembro, 1,04 milhão de m², cerca de 70% do objetivo.
Dados do 156, canal de serviços da prefeitura, mostram que Vila Mariana e Sé são alguns dos distritos com mais denúncias de calçada danificada ou inexistente. Em 2019, antes da pandemia, foram 1.031 solicitações recebidas do serviço para a Vila Mariana e 636 para a Sé.
Já em 2023, a Sé liderou com 260 solicitações, seguida por Pinheiros, com 223. Neste ano, considerando dados enviados até 12 de dezembro, o Ipiranga estava no topo das reclamações, com 374 solicitações recebidas. Em seguida, estava a Vila Mariana, com 344.
Pelo lado da fiscalização, as notificações orientativas, criadas em 2022 e dadas aos proprietários por agentes das subprefeituras, foram 4.655, de 2022 até 16 de dezembro deste ano. A Sé lidera, com 378 notificações, e o Ipiranga está em segundo lugar, com 325.
As multas aplicadas desde 2019 somam R$ 56,12 milhões. Naquele ano, foram R$ 17,1 milhões, valor que caiu ao seu menor nível recente em 2023, com R$ 3,93 milhões, e depois subiu para R$ 6,99 milhões até 12 de dezembro deste ano. Segundo a pasta de Subprefeituras, a autuação ocorre após o munícipe não dar andamento às providências depois de ser notificado.
Com largura de 2 metros, a calçada deve ter uma faixa livre com 1,20 m de largura para o trânsito de pedestres e 0,7 m para a chamada faixa de serviço, que pode comportar lixeiras e postes, por exemplo, além de uma faixa de acesso. A realidade, no entanto, é diferente.
“É pouca acessibilidade para deficiente. No caso de um cadeirante, por exemplo, não tem rampa, ou a calçada é muito esburacada. O que a gente mais vê são pessoas com deficiência visual, por exemplo, que não conseguem andar porque não tem aquela sinalização [piso podotátil]”, diz o comerciante Antônio Dias, 40, que tem uma loja na região da rua Miller, no Brás.
Ele afirma que é comum ver cadeirantes optando pela rua por causa da inviabilidade de tráfego pelas calçadas, que são muito estreitas em algumas regiões do bairro.
A associação de lojistas local, a Alobrás, tem se mobilizado para conseguir, em meio a outras melhorias, a universalização de rampas de acesso em calçadas nas áreas mais movimentadas do bairro, em projeto conjunto com a prefeitura.
Como contrapartida, os lojistas deverão adequar as calçadas de acordo com um padrão e um prazo combinados com a administração municipal.
“Essa questão do passeio, das rampas e também das calçadas que a gente quer chamar a atenção, é justamente para mostrar que essa pessoa, seja idosa, cadeirante, com mobilidade reduzida ou com qualquer tipo de deficiência, ou não, assim como quem quer apenas passear, sem aquela correria, pode vir ao Brás”, diz Lauro Pimenta, vice-presidente da associação.
Para Mauro Calliari, integrante da ONG Cidadeapé e colunista da Folha, falta à administração municipal um órgão para coordenar as ações de fiscalização e manutenção. “Qual é a entidade que controla calçadas? Fica entre Subprefeituras, CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), SPObras, mas ninguém faz uma coordenação. Decorrem daí a falta de coordenação e a falta de fiscalização.”
Programas como o PEC, diz ele, deveriam ser uma política perene. Avalia, ainda, que a meta atual de 1,5 milhão de metros quadrados é tímida no conjunto da cidade e que a prefeitura poderia assumir a responsabilidade pelas calçadas.
Segundo a diretora-presidente do Instituto Caminhabilidade, Leticia Sabino, a governança também é problemática, assim como a demora nas melhorias.
Exemplo da morosidade é a rua Leôncio de Carvalho, que fica entre o Sesc e o Itaú Cultural na altura da Vila Mariana, cuja transformação em um boulevard com rua compartilhada levou anos de discussão.
“Foram anos de discussão com a prefeitura, audiência pública, ver com a SMUL [Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento], negociar o espaço viário.” E quem pagou pela obra foram Sesc e a Fundação Itaú, diz a especialista.
Mas até para construir as faixas livres, muitas calçadas ainda precisariam de ampliação, já que os 2 m de largura não são uma realidade comum na capital, com as menores sendo mais frequentes em regiões como as zonas leste e sul, segundo nota técnica do Centro de Estudos da Metrópole, da USP, de 2021.
Para Fernando Gomes, pesquisador da Equipe de Transferência e Difusão do CEM, a cidade precisa de mais pesquisas e contagens específicas de pedestres, além de projetos que considerem essas diferenças.
“Por ser tão complexo, a prefeitura tem que olhar cada quarteirão e cada quadra, com dados empíricos, dos levantamentos da CET aos de uso e ocupação do solo, mais as demandas de pedestres.”
Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes em afirmar que a cidade precisa converter mais espaços de vagas de veículos em faixas para circulação de pedestres, para a regularização das calçadas.
Em nota à Folha, a gestão Ricardo Nunes (MDB) exaltou o cumprimento das ações do Programa de Metas 2021-2024 citando que foi superior ao registrado em gestões anteriores. “Para cada intervenção prevista no programa, há um ritmo específico de execução”, destacou.
Em relação à fiscalização das calçadas, a nota informou que houve um crescimento no número de fiscais. “Atualmente existem 512 fiscais ativos, sendo que, somente em 2023, 234 pessoas ingressaram na função.”
LUCAS LACERDA / Folhapress