SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O estado de São Paulo registrou em 2024 os piores níveis de poluentes inaláveis da década, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) analisados pela Folha. Tratam-se de partículas invisíveis, nocivas à saúde, e derivadas de diferentes fontes.
Neste ano, as partículas finas, provenientes de queimadas, e as originadas de processos no solo e na indústria apresentaram concentrações respectivas de 42% e 51% acima da meta de qualidade do ar estipulada pela Cetesb.
Para esse cálculo, a reportagem considerou apenas estações de monitoramento contínuo de 2014 a 2024.
A meta da Cetesb foi criada para se aproximar das diretrizes de qualidade do ar estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Das estações que iniciaram a coleta de dados em 2014 e permanecem ativas neste ano, metade registrou recorde para as partículas finas (MP 2,5 -sigla para material particulado com 2,5 micrômetros). Já para o MP 10 (sigla para material particulado com até 10 micrômetros), 16 de 36 estações tiveram os resultados mais drásticos neste ano.
As partículas finas decorrem, muitas vezes, de queimadas e viram compostos químicos, sendo mais nocivas do que o MP 10, associado ao solo e à ação industrial, que circula no ar.
Ao analisar todas as estações disponíveis pela Cetesb, independentemente da continuidade de monitoramento, 2024 concentra 73% dos índices mais altos de partículas finas. Já dos 70 pontos que monitoram o MP 10, 21% apresentaram os maiores recordes.
Desde o início da série histórica da companhia, em 1998, os anos que concentraram a maior quantidade de estações com recorde de poluentes MP 10 foram 2010, 2012, e 2024. Para as partículas menores, os anos mais graves foram 2018, 2020, 2021 e 2024.
Ribeirão Preto é o município que apresentou os piores índices para poluentes inaláveis. Em 24 de agosto, a cidade registrou concentração média acima do nível de emergência para partículas maiores e de alerta para as menores. Às 19h daquele dia, a cidade apresentou uma concentração 3.000% acima da meta para o MP 10 e de 2.500% para as partículas finas.
Depois de Ribeirão Preto, os municípios com maiores recordes neste ano foram Santa Gertrudes, Catanduva, São José do Rio Preto, Rio Claro, Paulínia e Jundiaí.
Na capital paulista, a estação Ponte dos Remédios, na marginal Tietê, media MP 10 a nível 41,70% acima da meta em 11 de setembro, pior dia para São Paulo. Itaim Paulista e Congonhas apresentaram, respectivamente, índices 31% e 14% acima da meta para um dia na capital.
Em relação às partículas finas, a pior concentração também foi na estação da marginal, que mediu 85% acima da meta do poluente, seguida da estação de Parque Dom Pedro 2º, na zona leste, 71% acima da meta. Para as partículas menores, a capital teve ao menos 12 bairros com índices recordes em 2024.
Com a elevação de substâncias inaláveis diante da seca prolongada e das queimadas no Brasil, a população dos locais mais afetados sente sintomas alérgicos e respiratórios, e fica exposto a doenças mais sérias.
O médico patologista Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, afirma que, no limite, a exposição a MP 10 e MP 2,5 se associa a adoecimento e mortalidade.
No caso do MP 10, que também deriva de queimadas, ela pode adentrar os pulmões, causando irritação e sintomas respiratórios.
Já as partículas finas, presentes em queimadas e que se tornam um aerossol em contato com a seca e à radiação UV, penetram nas camadas mais profundas dos pulmões e podem se espalhar por todo o corpo. Esses novos compostos podem ser mais reativos que os originais, formados a partir da queima, gerando hidrocarbonetos e evoluindo para substâncias cancerígenas.
A exposição ao MP 2,5 equivale a fumar cigarros ou folhas de tabaco de forma constante. O grupo mais propenso a desenvolver doenças são bebês, que ainda estão desenvolvendo o sistema imunológico, e idosos, que ficam sensíveis ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares.
“Imagino que vamos ter um aumento de mortalidade nas cidades mais afetadas e uma sobredemanda do sistema de saúde para consultas e internações hospitalares, e não estou falando de atenção primária”, avalia Saldiva.
Mesmo com índices inéditos, para ele, a atual situação da qualidade do ar era previsível diante da escalada de queimadas no país nos últimos anos, que influenciam a qualidade do ar e a precipitação. “Por não termos feito nada no passado, vamos ter que trabalhar o dobro para recuperar dessa situação caótica.”
METODOLOGIA
A Folha de S.Paulo extraiu os dados do sistema de notificações Qualar, da Cetesb, e os analisou com base em médias diárias. Considerou apenas as amostras com ao menos 18 horas de dados por dia, representando 75% do total de medições de um dia, seguindo a metodologia da companhia. O período vai de 1º de janeiro de 2014 a 11 de setembro de 2024.
Os dados foram classificados segundo os padrões de ar definidos por decreto estadual de 2013, que indica a meta diária para cada poluente. Os indicadores não podem superar 100 microgramas por metro cúbico para MP 10 e 50 microgramas por metro cúbico para partículas finas.
VITOR ANTONIO E NICHOLAS PRETTO / Folhapress