SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quantas escolas precisam ser construídas em comunidades remanescentes de quilombos? É para responder este tipo de pergunta que o movimento quilombola lutou para que o grupo fosse incluído no Censo.
A explicação é da socióloga Givânia Silva, uma das diretoras da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos).
O Censo 2022 foi o primeiro da história brasileira a realizar essa contagem –as comunidades lutam pela participação na coleta de dados desde 2003. O levantamento divulgado nesta quinta (27) mostrou que existe pouco mais de 1,3 milhão de quilombolas no país.
“Na pandemia o governo não tinha dados. A Conaq entrou com ação no Supremo Tribunal Federal para incluir os quilombolas como grupo prioritário. Mas quantas vacinas eram necessárias levar para as comunidades? Quantas pessoas moram em cada local? Não sabíamos, porque o Censo não levava isso em conta [antes]”.
A primeira coleta de dados relacionados a população quilombola deveria ter ocorrido no ano de 2020. Entretanto, o levantamento foi adiado por conta da pandemia e da disponibilidade de verba destinada ao IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) no último governo. O órgão é responsável pela elaboração do Censo.
“É um grande desafio a construção de dados mais confiáveis em relação a essas populações”, diz Givânia. “Não tem como elaborar o planejamento de políticas públicas sem saber onde, para quem, para quantos”.
De acordo com a líder quilombola, a partir desse Censo será possível ter finalmente alguma informação oficial sobre as comunidades. “E a partir disso, a gente poderá ter mais segurança em cobrar políticas públicas sabendo quais são os problemas.”
Embora a maior parte das pessoas que moram nos quilombos sejam negras, o Censo não consegue visualizar as especificidades das comunidades ao levantar dados sobre pretos e pardos de forma geral, sem segmentação.
Entre as características específicas desses grupos estão a região onde estão assentadas, principalmente zonas rurais.
Os quilombos também, em grande medida, são formados por uma única família, ou por poucas famílias, o que leva a comunidade como um todo a ter grau de parentesco. E ainda tem o laço ancestral e territorial, fruto do movimento de fuga e resistência contra a escravidão, que está por traz da origem dos quilombos.
“É dever do Estado reconhecer esses grupos e assegurar os seus modos de vida, regularizar os territórios. Definitivamente, há de se saber quem são esses grupos. Eu costumo dizer que se o Censo é um retrato do Brasil, eu também quero estar nesse retrato. Eu não quero ficar de fora, eu sou brasileira”, diz Givânia.
Marta Antunes, coordenadora no IBGE do Censo de Povos e Comunidades Tradicionais, afirma que a instituição já tinha aprendido muitas práticas e métodos que funcionaram bem durante a implementação do Censo indígena, em 2010.
Entretanto, segundo ela, era necessário fazer adaptações já que não é possível apenas copiar e colar modelos de coletas de dados utilizados entre um grupo étnico e outro.
“Embora todos os povos das comunidades tradicionais tenham uma relação muito forte com seu território e uma relação muito forte com as suas comunidades enquanto construção da sua identidade étnica, a gente sabe que são realidades muito diversas”, diz.
Para o Censo, o IBGE contou com a participação da Conaq, que acompanhou o processo e ajudou na comunicação com as diversas lideranças dos territórios que receberiam os pesquisadores.
Dados da Fundação Palmares, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e da antiga Secretaria de Igualdade Racial também foram utilizados para ajudar a mapear os locais nos quais existem comunidades quilombolas.
“A gente enfrentou desafios que tem mais a ver com a desconfiança de algumas comunidades. ‘O que a gente está fazendo ali?’. Então, a metodologia de abordagem já foi desenhada considerando que é preciso lidar com essa desconfiança em relação ao estado”, explica Marta, sobre as dificuldades de implementação do primeiro Censo quilombola.
“‘O que esse povo tá fazendo aqui?’, alguém de fora. Alguém não quilombola. A gente sabia que isso seria um desafio se não treinássemos os nossos agentes. Por isso, incorporamos isso na parte do projeto técnico. Preparar as equipes para lidar com a diferença cultural”, complementa.
As mesmas perguntas feitas para a população em geral foram feitas para as comunidades quilombolas. Com isso, ao longo do ano, serão divulgados dados sobre este grupo que permitirão conhecer informações sobre sexo, idade, pirâmide etária, religião, fecundidade, entre outros itens demográficos.
O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress