SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Segunda data mais importante no calendário de vendas do varejo de moda e vestuário feminino, o Dia das Mães poderá desencadear uma onda de fechamentos de lojas e demissões, se não apresentar bom desempenho neste ano, de acordo com representantes do setor.
Um dos fatores que podem atrapalhar as vendas é o clima, caso o calor não dê uma trégua para abrir espaço ao consumo de peças da coleção de inverno.
Mas o principal motivo do pessimismo entre as empresas brasileiras é a isenção do Imposto de Importação nas vendas de até US$ 50 pelos ecommerces estrangeiros, de acordo com Edmundo Lima, diretor-executivo da Abvtex (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), que reúne grandes redes como C&A, Centauro, Marisa, Renner, Riachuelo e outras.
A concorrência das plataformas internacionais, especialmente as asiáticas, segundo ele, tem sido um “pesadelo” do varejo de moda no Brasil nos últimos anos, mas os debates em torno da proposta de regulamentação da reforma tributária levada ao Congresso nesta semana não tranquilizou as marcas nacionais.
Pelo projeto, a partir 2026, com a entrada da reforma em vigor, as compras de produtos e serviços nas plataformas digitais passarão a ser tributadas pelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). Porém, Bernard Appy, secretário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, disse que a diferença em relação ao que se pratica hoje é pequena e vai ser uma cobrança muito parecida. Atualmente, as compras até US$ 50 são isentas do Imposto de Importação e cobradas apenas pelo ICMS dos estados, com alíquota de 17%.
“Ao não ter o Dia das Mães satisfatório, as empresas terão de fazer novas revisões, replanejamentos e, potencialmente, pode haver corte de emprego. Essas ondas têm sido mais frequentes, e a gente pode ter uma nova nesse segmento, pós-Dia das Mães”, diz Lima.
Dados da ABVtex apontam queda de quase 11% nas vendas de produtos têxteis e acessórios na semana do Natal de 2023 em relação ao mesmo período de 2022, e o ano terminou com um volume de pessoas empregadas cerca de 5% menor no segmento.
Lima diz que o setor espera uma solução do governo desde o fim do ano, quando o vice-presidente Geraldo Alckmin sinalizou que a retomada do imposto de importação seria o “próximo passo” que o governo daria nas medidas ligadas ao assunto.
Para a ABVtex, a reforma não resolve a falta de isonomia tributária das plataformas estrangeiras e o problema necessita de uma solução imediata.
“Gostaríamos de reduzir o imposto do produto nacional para ficar no mesmo patamar dos estrangeiros, que hoje só pagam 17% de ICMS. Mas o governo, com toda a dificuldade de fechar as contas públicas, nem discute a possibilidade de reduzir carga tributária. Então, para estabelecer essa igualdade, deveria aplicar um imposto de importação equivalente ao que o varejo hoje paga no Brasil”, afirma.
Segundo Lima, para concorrer com os sites internacionais, que praticam preços muito inferiores aos do produto nacional, as empresas brasileiras teriam de promover cortes drásticos nos custos, o que pode inviabilizar a operação.
“Isso tem de ser equacionado por uma decisão do governo. Não tem como as empresas buscarem eficiência para cobrir um gap dessa natureza ou reduzir seus custos. O valor baixo das plataformas é artificialmente composto, porque esses importados recebem benefício de produção e exportação em seus países de origem e, quando chegam no Brasil, têm o benefício do não pagamento de imposto de importação”, diz.
De acordo com relatório do BTG, Shein e Shopee faturaram, juntas, mais de R$ 35 bilhões no Brasil no ano passado, ultrapassando grandes varejistas nacionais.
Segundo Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV (Instituto para Desenvolvimento do Varejo), que também representa as gigantes da moda brasileira, as vendas nas lojas físicas já foram afetadas no Dia das Mães de 2023 e não há nada que possa gerar expectativa diferente neste ano.
Além dos planos de fechamento de lojas, ele diz que as empresas brasileiras têm a opção de levar empregos para fora do Brasil, transferindo seus depósitos aos países vizinhos, como Uruguai e Paraguai, para vender seus produtos sem imposto no mercado brasileiro.
“Se o Dia das Mães for pior do que o do ano passado, vai gerar um movimento de achar uma solução, já que a solução do país não está vindo”, diz.
Mauro Francis, presidente da Ablos (associação de redes de lojas menores de shoppings, as chamadas lojas satélites, como Khelf e SideWalk), também vê o Dia das Mães como o primeiro termômetro das vendas do ano, que deve influenciar as decisões dos empresários pelos próximos meses.
Segundo ele, uma das alternativas para reduzir custos em empresas deste porte é priorizar as lojas de rua e sair dos shoppings, que cobram altas taxas de permanência.
“Para poder concorrer com esse tipo de plataforma, tem que estar com um custo operacional menor. E loja de shopping tem custo alto. O reposicionamento para loja de rua é um movimento que já vem desde a pandemia. Os lojistas estão avaliando se vale a pena ficar nos empreendimentos. O Dia das Mães vai ser um termômetro”, diz Francis.
Esse tipo de cálculo, segundo Tito Bessa Junior, da TNG, já é um exercício diário. “Eu estou avaliando todos os dias as lojas que não têm performance adequada em razão do custo para trocar por uma que tenha. Da mesma forma que tem proposta de shopping apertando, tem shopping aliviando e dando oportunidade”, diz Junior.
Entre as redes menores, parte delas diz que sofre menos impacto da concorrência estrangeira porque tem um posicionamento de marca aspiracional com maior valor agregado. Segundo Andrea Duca, diretora da rede feminina Gregory, “o filho quer presentear com uma sacola da marca, e é o que a mãe espera ganhar”.
Além da embalagem, aspectos como prazo de entrega e tamanho do produto também ajudam a proteger os lojistas da concorrência estrangeira, segundo Viktor Ljubtschenko, da rede de lojas de pijamas e roupas íntimas Any Any.
“Na parte de calcinhas e sutiãs, que são peças pequenas, eles concorrem na faixa até US$ 50, mas as peças quentes, como robes e pantufas, são volumosas, o que torna inviável em termos de custo de transporte para o produto chinês”, diz o empresário.
JOANA CUNHA / Folhapress