FOLHAPRESS – O estúdio canadense Sabotage, conhecido pelo elogiado jogo de plataforma “The Messenger”, soube responder à seguinte pergunta retórica: “Como seria Chrono Trigger, um dos RPGs mais cultuados pelos fãs do gênero, se fosse lançado hoje?”.
A resposta é “Sea of Stars”, o segundo lançamento dos desenvolvedores cuja missão é criar versões definitivas de jogos que gostavam quando eram crianças.
Apesar do título japonês de 1995 ser a referência mais evidente, uma coletânea dos melhores RPGs feitos antes da virada do milênio compõe a bibliografia deste que deve ser um dos principais jogos indie deste ano.
Apostando em um tributo ao gênero sem subverter a forma, o jogo evita seguir o caminho autoconsciente de “Earthbound”, “Moon: Remix RPG Adventure” ou do fenômeno indie “Undertale”.
Aqui, a ideia é partir da estrutura já consolidada das franquias mais famosas, como os primeiros “Dragon Quest” e “Final Fantasy”, e adicionar elementos de jogabilidade modernos, que sutilmente alteram a forma de lidar com RPGs. É como um pastiche do pastiche.
“Sea of Stars” se aproxima dos clichês dos primeiros videogames ao ter como protagonistas Zale e Valere, dois jovens predestinados a impedir o retorno de um grande vilão, Flashmancer, alquimista responsável pela morte de seus semelhantes.
Não que a história seja repleta de lugares-comuns, mas funciona mais como um veículo para seus sistemas do que como uma trama imperdível algo comum a quase todo bom jogo.
O jogador escolhe se vai controlar o primeiro herói, que domina o poder do Sol, ou a segunda, da Lua, mas ambos são controláveis durante a campanha. Os jovens treinaram por anos durante a infância para obter o título de Guerreiros do Solstício Zale nasceu no solstício de verão e Valere, no de inverno. Quando isso ocorre, eles são designados a uma missão para derrotar um Residente, encarnação do mal e servo de Flashmancer, durante um eclipse.
Nessa jornada, também se juntam ao grupo Garl, um cozinheiro sem poderes, e Serai, uma assassina misteriosa. Os quatro formam a tradicional “party” ou “galera”, na tradução do jogo dos RPGs, cada um com suas vantagens e desvantagens durante as batalhas.
O sistema de combate é baseado em turnos, mas com temperos que deixam a experiência mais palatável para quem não gosta desse tipo de design. Durante as batalhas, é possível apertar o botão de ação no tempo certo para bloquear golpes inimigos, melhorar seu ataque ou aumentar a duração de uma magia.
Apesar de ser pouco usada no desenvolvimento de RPGs mais tradicionais, a ideia existe ao menos desde 1996 com “Super Mario RPG” que vai ganhar um remake este ano, passando pelas séries “Paper Mario” e “Mario & Luigi”, da Nintendo.
Além disso, cada ataque básico restaura pontos de mana e gera pontos de combo, o que permite ofensivas mais poderosas com maior frequência. Todos esses elementos combinados formam um combate dinâmico, em uma renovação moderna e bem-vinda ao gênero.
Se muitos RPGs não passam de planilhas de Excel disfarçadas de diversão, “Sea of Stars”escolhe percorrer um caminho diferente, por bem ou por mal.
Não apenas por conta desses momentos que exigem atenção e precisão, mas também porque o sistema de progressão de nível e equipamentos a matemática da coisa é simplificado, com melhorias incrementais que não abrem muito espaço para experimentação.
Outra mudança que lhe caiu bem tem a ver com a exploração dos cenários. No que funciona quase como um jogo de plataforma dentro de um RPG, “Sea of Stars” permite diversas ações nos momentos fora de combate. É possível nadar, escalar, pular e navegar.
Esse último elemento aparece após os protagonistas encontrarem piratas no caminho até o chamado Residente do Desgosto. Depois de algumas missões, a trupe conquista um navio que dá acesso ao mar e a outras ilhas do jogo, onde o restante da trama se desenrola.
Mas a filosofia dessa exploração mais fluida brilha aqui quando elementos metroidvania aparecem. O termo é uma fusão dos jogos “Metroid” e “Castlevania” para definir um tipo de exploração que envolve perceber que há caminhos bloqueados, obter um item que resolva esse problema e retornar a esses locais.
Em um dos cenários, por exemplo, o jogador se depara com um lugar alto para o qual um pulo não é suficiente. Próximo dessa elevação, há um bloco que parece estar implorando para ser deslocado, mas o jogador ainda não consegue fazê-lo.
Após concluir a missão dessa região, ele adquire um bracelete que manipula o vento e assim permite deslocar esses blocos e alcançar esses locais, liberando caminhos e uma nova forma de interagir com o mundo.
Tudo isso forma uma mistura que, apesar de ocasionalmente excessiva, funciona bem ao longo do jogo. Ela oferece um equilíbrio entre ação e exploração que não recai em um dos elementos mais problemáticos do gênero, o chamado grinding passar horas derrotando os mesmos monstros para obter experiência, ficar mais forte e avançar na história.
Além da temática e das mecânicas, “Sea of Stars” homenageia seus antecessores com gráficos em pixel art repletos de cenários deslumbrantes, personagens expressivos e monstros cujos design e nomes são uma diversão à parte. Há também um divertido minigame de pesca e um complexo jogo de tabuleiro nas tavernas.
Apesar de uma ambientação por vezes tímida e um receio em ser mais detalhado ao contar sua história, a conquista do jogo é conseguir equilibrar com elegância um sistema de combate dinâmico, uma exploração estimulante e imagens que fazem o melhor uso da estética dos jogos pré-3D.
Trata-se de um jogo que não se aproveita da nostalgia retrô para entregar ideias genéricas, mas, ao contrário, apresenta uma jogabilidade inteligente para mostrar que, no fim das contas, RPGs clássicos não são nada mais que bons videogames.
SEA OF STARS
Avaliação Muito bom
Quando A partir de 29/8
Onde Disponível para Playstation 5, PlayStation 4, Xbox Series X|S, Xbox One, Nintendo Switch e PC
Estúdio Sabotage
Acessibilidade
GUSTAVO SOARES / Folhapress