SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Amazônia continua sofrendo impactos humanos e ambientais com a seca de magnitude nunca antes documentada. Ao mesmo tempo, as baixas históricas nos rios da região expuseram marcas da antiga ocupação territorial amazônica. Três novos sítios arqueológicos foram descobertos nas últimas semanas e estão sendo documentados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
A descoberta dos novos sítios, imagens e os trabalhos para seu registro foram adiantados com exclusividade à Folha pelo Iphan.
Os locais descobertos, em parte, com uma mãozinha das redes sociais se juntam ao registro rupestre com feições humanas que já havia sido detectado na seca de 2010 e voltou a aparecer no Ponta das Lajes, próximo à confluência dos rios Rio Negro e Solimões.
Um dos sítios é o Forte São Francisco Xavier, às margens do rio Solimões, em Tabatinga, próximo à tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Trata-se de uma construção do século 18 da qual se tinha conhecimento de sua existência com base em registros históricos.
Jaime Oliveira, arqueólogo do Iphan, afirma que no século 20 o local teria sido afetado pelo fenômeno das terras caídas em linhas gerais, um desmoronamento, evento que também foi visto recentemente e acabou submerso.
De acordo com o Iphan, o forte era a última parada para quem ia em direção aos Andes na era colonial, com destaque para quem se encaminhava para a localidade de San Pablo de Loreto, no Peru. Além disso, era uma marcação do domínio português na Amazônia e simbolizava um marco de consolidação da fronteira nacional ao norte.
As ruínas expostas pela seca já foram vistoriadas por técnicos na semana passada. As informações coletadas seguirão para o CNSA (Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos).
O forte contava com madeiras grossas em sua construção e tinha uma forma hexagonal irregular. No local havia a possibilidade de instalação de nove peças de artilharia, segundo o Iphan. Inclusive, algumas dessas peças ainda existem; duas estão Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e três estão com o Exército, no Quartel do Comando de Fronteira do Solimões.
Segundo o arqueólogo, a visita foi necessária para constatar o estado de conservação das ruínas e determinar que, de fato, a área tem valor pela perspectiva arqueológica. “Mas, pelas notícias que eu tive com a comunidade, em anos anteriores, como a gente já vinha tendo algumas secas, algumas áreas ficaram visíveis”, diz Oliveira.
Os outros sítios arqueológicos encontrados são, segundo se estima, consideravelmente mais antigos, de acordo com Oliveira. O arqueólogo diz que o tipo de registro achado está associado a grupos pré-históricos e a diversos outros sítios na Amazônia e na América Latina.
Um deles, o sítio Costa do Goiabeira, está na cidade de Anamã. Urnas funerárias cerâmicas foram encontradas devido à redução dos níveis dos corpos d’água na região.
Por fim, novos registros rupestres foram achados em Urucará (a 260 km da capital amazonense), município banhado pelo rio Uatumã. Neste sítio há gravuras em pedra, tal qual o encontrado no Ponta das Lajes, em Manaus.
Os sítios trazem mais informações e ajudam a entender a história das populações que habitaram a região, além de valorizar a região, diz Leandro Grass, presidente do Iphan.
“Agora precisamos tentar aproveitar a situação, que é triste, é ruim, para fazer o detalhamento e registro dos sítios”, diz Grass. “Mesmo que depois com a água subindo não se tenha mais acesso permanente, temos a oportunidade de eternizar esses sítios. É hora de dar um protagonismo nesse tema da arqueologia, pouco compreendido pela maior parte da população.”
No caso desses dois últimos sítios, ainda não houve visitas técnicas, que devem ocorrer nas próximas semanas em parceria com instituições de pesquisa locais. A própria descoberta contou com o olhar de pesquisadores da região.
Segundo Oliveira, professores da Universidade do Estado do Amazonas e um arqueólogo que trabalhava no Instituto Mamirauá.
Mas, como dito no início desta reportagem, as redes sociais acabam tendo um papel ambíguo, do ponto de vista arqueológico, na descoberta desses vestígios. Oliveira diz que parte dos registros acaba chegando por fotos tiradas por pessoas e depois postadas em redes sociais.
A reportagem conseguiu encontrar algumas das postagens referentes aos sítios em questão, inclusive com pessoas tocando e manuseando objetos. Além disso, a reportagem encontrou vídeos de uma pessoa percorrendo partes secas com um detector de metais e, eventualmente, recolhendo um objeto ou outro.
E aí que entra o problema.
“O interesse público é sempre muito importante”, diz Grass. No entanto, a interação com sítios, com pegar itens, tocar ou até mesmo extrair bens deles é proibido por lei.
Recentemente, por exemplo, um grupo de pessoas pintou as gravuras presentes no Ponta das Lajes, como mostrou reportagem do G1.
“É fundamental informar que caso a comunidade venha a descobrir algum sítio arqueológico, seja de gravura ou de local com dispersão de material cerâmica ou lítico [minerais e pedras], que não recolha, que não retire artefatos do seu local”, diz Oliveira. A orientação é tirar uma foto e comunicar o Iphan sobre o achado.
No caso do Ponta das Lajes, o Iphan afirma que, para evitar danos, foi solicitado o auxílio da Polícia Federal e da Secretaria Municipal de Segurança Pública, que, segundo o órgão, deverá realizar patrulhas regulares no sítio.
De acordo com o instituto, em razão do risco de perda de informações arqueológicas, outras instituições foram convidadas para compor um grupo de trabalho para elaboração de um protocolo de preservação.
O Iphan volta a destacar ainda que qualquer tentativa de pesquisa interventiva sem autorização é ilegal e passível de punição. O instituto afirma que a PF tem sido instada a averiguar casos de dolo aos bens arqueológicos.
PHILLIPPE WATANABE / Folhapress