Segredos familiares ferem, afirma cineasta de ‘De Volta à Córsega’, no Mix Brasil

CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – “Segredos machucam as famílias. O que não é dito fere e desperta sentimentos ruins em pais e filhos. Me surpreendo como isso ainda é muito comum com o passar das gerações.” Essa percepção da cineasta Catherine Corsini apresenta “De Volta à Córsega”, um dos destaques da programação do festival Mix Brasil, que começa nesta quinta-feira, dia 9, em São Paulo.

Além dos filmes voltados à cultura LGBTQIA+, que incluem neste ano “Todas as Cores Entre o Preto e Branco”, do nigeriano Babatunde Apalowo, e “Orlando, Minha Biografia Política”, do escritor espanhol Paul Preciado —ambos premiados no Festival de Berlim—, a programação tem ainda atividades das áreas de música, literatura, artes visuais, artes cênicas, games e oficinas.

Os eventos ocupam seis espaços culturais —Cinesesc, MIS, IMS, Museu da Língua Portuguesa, Teatro Sérgio Cardoso e CCSP. Há ainda o tradicional Show do Gongo, com Marisa Orth, e a entrega do prêmio Ícone Mix para a atriz, dramaturga e diretora Renata Carvalho.

Em meio a filmes com propostas militantes, o longa de Corsini se debruça sobre uma série de feridas da Europa e da colonização a partir da história de uma mãe, Khédidja, vivida por Aissatou Diallo Sagna, de família guianense, e suas filhas, Jessica (Suzy Bemba) e Farah (Esther Gohourou).

Elas viajam juntas à ilha no Sul da França quando os patrões de Khédidja pedem que ela os acompanhe para cuidar de prole durante as férias. A mãe solo leva as próprias filhas, que nasceram lá, mas desconhecem pormenores de suas origens.

Entre as diversões e o tédio pelas praias e vilarejos corsos, as jovens descobrem os segredos por caminhos desagradáveis. “A mãe acha que está protegendo as meninas ao esconder seu passado e prefere elaborar a culpa ao se distanciar totalmente da realidade”, diz Corisini, em entrevista coletiva no Festival de Cannes, onde o filme estreou.

Falando em mal-entendidos, a passagem da obra pela Riviera teve desconforto —a produção teve problemas após o conselho tutelar francês não ter sido informado sobre uma cena de sexo com Gohourou, que tinha 15 anos quando rodou o longa.

A atriz, porém, disse que não teve problemas com a equipe ou a cena, que acabou fora do corte final. Pouco antes da entrevista com Corsini, a assessoria proibiu quaisquer questões sobre o caso, que parecia resolvido, mas foi requentado pela imprensa na ocasião.

Afinal, a descoberta sexual perpassa todas as três mulheres sob diferentes óticas, mas com sutileza. “No meu tempo, falar da sexualidade, e de homossexualidade, na passagem da infância para a adolescência era muito difícil. Hoje isso é tratado de forma simples”, afirma Corsini, que tem 67 anos e já foi premiada com a Palma Queer por seu trabalho anterior, “A Fratura”, de 2021. “Os jovens conseguem isso por encararem seus sentimentos de forma mais direta.”

Jessica e Farah expressam isso de formas diferentes. A primeira, mais velha e introspectiva, vai se descobrir lésbica ao namorar a filha do patrão da mãe, enquanto tropeça em cacos do passado do pai que nunca conheceu.

A caçula, mais rebelde, acaba seduzindo um garoto racista e xenófobo com sua falta de delicadeza. Já a mãe terá sua primeira relação desde o pai das garotas ao reencontrar um antigo amigo. “As personagens superam a distância e a culpa através do desejo, sem se preocupar com as barreiras raciais”, diz a diretora.

O clima naturalista parte, como explica a diretora, de sessões de treinamento com as atrizes não profissionais, dedicadas à improvisação “em busca de ossos ancestrais das personagens”. Esse trabalho fora de cena surge sobretudo com Sagna, que fala pouco ao longo do filme e tem de expressar todo seu rancor, desaprovação (em relação à sexualidade de Jessica) e desconfiança com gestos e olhares, fruto de um duplo silenciamento —familiar e social.

Ainda assim, Corsini acredita que sua história poderia existir em variados contextos e não vê problema em escrever uma história sobre mulheres negras sendo branca e europeia.

“Mas eu queria trazer para a tela do cinema rostos que não ocupam totalmente esse lugar, mas que vemos todos os dias pelas ruas”, diz Corsini. “Sem estigmatizá-las, queria dar permitir que fossem protagonistas da minha história, uma narrativa diferente da delas próprias.”

DE VOLTA À CÓRSEGA

Quando Mix Brasil: ter. (14), às 18h, no Cinesesc; sex. (17), às 20h, no MIS

Classificação 16 anos

Produção França, 2023

Direção Catherine Corsini

31º FESTIVAL MIX BRASIL

Quando De qui. (9) a 19 de novembro

Onde Diversos endereços em São Paulo

Preço Grátis

Link: https://mixbrasil.org.br/31/

HENRIQUE ARTUNI / Folhapress

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