CIDADE DO MÉXICO, MÉXICO (FOLHAPRESS) – Não foi surpresa para quase nenhum mexicano, e nem por isso deixou de assustá-los. Sob a terceira onda de calor neste ano, a Cidade do México vive um prenúncio do que a junção de uma frágil infraestrutura e a emergência climática podem relegar à população.
As sucessivas temperaturas recordes vieram acompanhadas de uma das piores secas dos últimos 30 anos e de uma crise hídrica. O sistema de abastecimento da capital superpopulosa são 9 milhões de pessoas, 3 milhões a menos que na capital paulista não dá conta de atender a todos, e cortes no abastecimento de água viraram o cotidiano.
Em redes sociais, especialmente no TikTok, começou-se a alardear a chegada do “dia zero”, a data em que a metrópole não poderá mais suprir a demanda de água. O governo e cientistas desmentiram a iminência desse dia. Mas como mitigar a preocupação de uma sociedade que se depara com esse panorama?
A administração de Andrés Manuel López Obrador, ou AMLO, que em breve se despede da Presidência após um mandato de seis anos, anunciou recentemente que 48 pessoas morreram no país neste ano por fatores ligados ao calor extremo. Antes disso, cenas de mais de 160 macacos mortos por desidratação também semearam tristeza e alarde.
Com termos menos teatrais e mais científicos, a cientista Graciela de Raga, do Instituto de Ciências da Atmosfera e Mudança Climática da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), diz que o atual cenário era uma tragédia anunciada.
O primeiro semestre do ano tradicionalmente é uma temporada sem chuvas nesta parte do México, e a passagem do El Niño potencializa isso. As ondas de calor, por sua vez, estão inquestionavelmente mais frequentes devido à ação humana. Mas não houve preparo do Estado.
“A falta de água é fruto da falta de previsão. Não encheram os tanques quando poderiam e deveriam ter feito isso”, diz a cientista.
“O país já conhece suas previsões. Claramente não houve investimento em infraestrutura. Da nossa parte, dos cientistas, também pode ser que tenhamos sido pouco eficientes em comunicar o tamanho do problema, mas a verdade é que enfrentamos lobbies muito fortes.”
Em uma região na qual já há problemas crônicos de água poluída, esse recurso foi, literalmente, esgotando-se.
Responsável por abastecer ao menos 20% da capital e da região metropolitana, o sistema Cutzamala de represas está com nível inferior a 30% de sua capacidade, menor número da história. A maior parte do abastecimento da região vem da água bombeada de aquíferos, onde residem outros problemas: sua poluição e a baixa estrutura para retirá-la.
A cientista atmosférica Graciela de Raga menciona ainda que um cenário como o atual contribui para a concentração dos poluentes na atmosfera, outro desafio para a saúde dos mexicanos.
O que vem sendo chamado de excesso de ozônio no céu da região metropolitana fez autoridades imporem rodízio de carros e recomendarem cancelamento de eventos ao ar livre das 13h às 19h.
O cenário preocupante se desenrola justamente em um momento no qual mexicanos são convocados a pensar em seu futuro nas eleições deste domingo (2), as maiores da história do país, e avaliar seu presente.
O país possui uma verba anual reservada para mitigar os efeitos da mudança climática. Para 2024, foram destinados 233 bilhões de pesos mexicanos (R$ 71 bi) para esse fim. É um aumento substancial, de mais de 180% em relação ao montante que foi destacado em 2018, ano no qual López Obrador assumiu o poder.
Mas quem estuda com lupa esse orçamento observa que a maior parte do dinheiro vai para fins bem diferentes do que seriam justificativas reais para desacelerar a mudança climática, diz Iván Benumea, coordenador do programa de justiça fiscal da organização Fundar.
Mais de 53% do dinheiro etiquetado no orçamento para mitigar a emergência climática vão para as mãos dos militares que operam a obra faraônica do chamado trem Maya, a menina dos olhos do governo de AMLO. O projeto atravessa a península de Yucatán, passando por Cancún.
A justificativa do governo para incluí-lo neste anexo do orçamento é o fato de se tratar de um transporte coletivo, que diminui a circulação de carros e, assim, a poluição. Ocorre que a própria construção do trem Maya foi marcada por denúncias de violações de regras ambientais e de territórios de populações tradicionais.
“Há uma omissão muito séria por parte do Estado, que acaba enviando mensagens equivocadas à cidadania”, diz Benumea. “Apresenta-se a ideia de que o México gasta muito para combater um dos maiores problemas da humanidade, mas a verdade é que não.”
As duas candidatas preferidas nas eleições presidenciais dizem que vão trabalhar contra a crise do clima. Mas, com propostas genéricas, não detalham o que farão nem de onde vão tirar orçamento.
Com doutorado em engenharia ambiental, a governista Claudia Sheinbaum promete investir em energia verde, ainda que seu padrinho político, López Obrador, insista em uma reforma no setor elétrico que priorizaria produtores que pouco investem em energia renovável.
Já a oposicionista Xóchitl Gálvez, mulher indígena, diz somente que assumirá um compromisso com essa agenda e ajudará agricultores a sentirem menos os efeitos das mudanças climáticas.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress