SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após a Justiça do Rio de Janeiro determinar a destituição de Ednaldo Rodrigues do cargo de presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), a entidade que comanda o futebol brasileiro vive em compasso de espera.
Pela decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), o presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), José Perdiz, deve assumir como interventor na entidade e convocar eleições em 30 dias.
Perdiz tomará posse assim que houver a publicação da decisão do TJ-RJ e a notificação das partes envolvidas. A confederação, no entanto, está em recesso e ainda não foi oficialmente notificada. Procurada pela reportagem, a entidade não se manifestou.
De acordo com o presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Butantã e especialista em Direito do Trabalho e mestre em Direito Desportivo, Higor Maffei Bellini, o recurso que cabe a Ednaldo Rodrigues pode adiar a entrada do interventor no comando da entidade.
“O interventor só vai assumir depois de publicado a decisão no Diário Oficial. Mas, se eles [Ednaldo e sua defesa] entrarem com os embargos de declaração, que é um recurso que suspende essa decisão e seria preparatório para uma busca de uma decisão junto ao STJ, ficaria postergada a entrada desse interventor na CBF”, explica Bellini.
No entendimento do especialista, Ednaldo ainda não pode, portanto, ser considerado como presidente deposto. “Ele ainda não está afastado por causa disso. A decisão está pendente de recurso. O informativo que está no site não é a intimação oficial. A CBF continua com o comando do atual presidente por caber o recurso e, por talvez, ele também não ter sido notificado ainda”, diz.
Caso de fato venha assumir o posto à frente da CBF, temporariamente, o presidente do STJD será responsável pelas rotinas administrativas da entidade, como o pagamento de contas e funcionários.
Perdiz soube da decisão do TJ-RJ quando estava em sessão do STJD na capital carioca e não quis falar com os jornalistas presentes. Ele assumiu a presidência do tribunal desportivo em maio, substituindo Otávio Noronha. A reportagem procurou o STJD, mas não teve retorno até a publicação da reportagem.
A CBF deve recorrer a tribunais superiores para tentar reverter a decisão da Justiça do Rio. Até lá, Rodrigues deve seguir afastado do cargo. Em tese, contudo, o dirigente não está inelegível, e pode se candidatar nas eleições que Perdiz vier a convocar.
A destituição do cargo do presidente da CBF se deu após os desembargadores Gabriel Zéfiro, Mauro Martins e Mafalda Lucchese avaliarem que o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) não tinha legitimidade para ajuizar TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) acordado com a CBF em 2022.
O termo abriu caminho para a eleição de Rodrigues, mas agora foi considerado ilegal pela Justiça.
Ednaldo firmou o acordo quando ocupava a presidência da CBF interinamente, no lugar de Rogério Caboclo, afastado por denúncias de assédio contra funcionárias da entidade.
O termo de ajustamento foi resultado de uma ação movida pelo Ministério Público em meados de 2018, que questionava a CBF em relação ao processo eleitoral para a presidência da confederação.
POSSÍVEIS PUNIÇÕES À CBF
A Fifa (Federação Internacional de Futebol) e a Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) enviaram ofícios à CBF alertando sobre os riscos em caso de interferência externa, no caso da Justiça comum, na entidade.
Em cartas endereçadas ao secretário-geral da CBF, Alcino Reis Rocha, a Fifa e a Conmebol reafirmaram que o estatuto da federação mundial “obriga as associações membros a gerir os seus assuntos de forma independente, sem influência de terceiros, incluindo quaisquer entidades estatais”.
O artigo 16 do estatuto da Fifa diz que qualquer violação de tal obrigação pode levar a sanções, ainda que a influência não tenha sido causada pela associação membro em questão. Entre as possíveis punições, é possível a suspensão da participação da seleção brasileira e de clubes em torneios organizado pela Fifa e pela Conmebol.
“Mesmo que não tenha ocorrido qualquer punição da FIFA à época do TAC que garantiu Ednaldo como Presidente da CBF, isso não afasta a possibilidade da FIFA considerar a decisão do TJ-RJ como interferência externa e aplicar punições”, diz Victor Campos, advogado de direito de entretenimento.
A entidade máxima do futebol diz que tomou conhecimento de que o acordo celebrado entre CBF e o Ministério Público correria risco de ser cancelado e pediu para ser informada sobre qualquer avanço em relação ao tema. O documento é assinado por Kenny Jean-Marie, diretor das federações membros da Fifa.
O desembargador Mauro Martins fez questão de afirmar que a decisão não caracteriza uma interferência externa. “Quero deixar claro que isso não é uma interferência externa na CBF. Estamos nomeando alguém da Justiça desportiva [presidente do STJD], não alguém externo. Portanto, não pode ser considerado interferência externa”, disse ele.
O vácuo no comando da CBF ocorre em um momento no qual Ednaldo Rodrigues se vê fragilizado, sobretudo devido aos fracassos recentes acumulados pela seleção brasileira, como a queda nas quartas de final da Copa do Mundo de 2022, além do fraco desempenho apresentado nas Eliminatórias para o Mundial de 2026.
O Brasil é, atualmente, apenas o sexto colocado do torneio classificatório, com sete pontos, oito a menos do que a líder Argentina. A distância na tabela reflete o que tem sido considerado como um ano perdido para a equipe canarinho, que, desde a saída do técnico Tite, logo após o Mundial no Qatar, está sob o comando de interinos.
O afastamento de Ednaldo Rodrigues torna ainda mais incerta a propalada chegada do treinador italiano Carlo Ancelotti, do Real Madrid.
A instabilidade favoreceu o ressurgimento de uma oposição ao atual presidente da CBF, algo com o qual ele não convivia até o momento. De acordo com o portal o UOL, nomes com Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero, ex-presidentes da entidade, mesmo banidos do futebol, têm articulado para minar a gestão de Ednaldo. Eles estariam repassando dossiês nos quais criticam o que consideram gastos excessivos da atual gestão, atrasos de pagamentos e outras decisões administrativas.
LUCAS BOMBANA E LUCIANO TRINDADE / Folhapress