Sem escola e sem fraldas: a maternidade alternativa da filha de Ana Maria Braga

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há 13 anos, quando se tornou mãe, Mariana Maffeis, filha de Ana Maria Braga, pesquisava sobre o melhor tipo de fralda quando descobriu, por acaso, a chamada higiene natural infantil. A prática consiste em identificar os sinais de que o bebê precisa fazer cocô ou xixi e segurá-lo em um penico ou vasilha apropriada, na posição de cócoras.

A técnica pode ser aplicada desde a primeira semana de vida e tem como objetivo dispensar ou reduzir o uso de fraldas. Chamado em inglês de “elimination communication”, o hábito vem crescendo em adeptos no Brasil. Mariana foi uma das precursoras e hoje difunde essa e outras práticas do que chama de “maternidade ativa e consciente” em cursos na internet.

Mãe de quatro filhos, com idades entre 13 anos e cinco meses, Mariana afirma nunca ter comprado um pacote de fralda descartável na vida. “Consegui dar a volta por essa quase obrigatoriedade da nossa era”, diz. “É desconfortável para o bebê, ocupa espaço no planeta e aliena a criança de si mesma.”

Quando precisa sair na rua com a caçula Hima, ela usa fraldas de pano “daquelas de antigamente, de dobrar”. Dentro de casa e mesmo na hora de os bebês dormirem, não usa nada. “Às vezes acontece um acidente ou outro, mas é bem pouco e também não vejo como um problema”, afirma. “A pediatria ocidental diz que o bebê não tem controle do esfíncter, e isso é uma falácia. A prática da higiene natural mostra que tem sim”, defende.

‘CRIANÇAS VIVAS’

Em seu “Salão Maternar e Paternar Ativos”, que acontece por zoom com alunos inscritos pelo valor de R$ 28, Mariana ensina essa e outras técnicas do que considera um estilo de maternidade voltado a desenvolver a autonomia da criança. Educação domiciliar e pais fisicamente presentes na maior parte do tempo com os filhos são alguns dos pilares fundamentais.

Mas ela adverte: não é para qualquer um. “Muitas famílias têm escolhido estar mais próximas dos filhos. Mas uma coisa fundamental para isso é ter o lado financeiro garantido, para que depois você não fique se lamentando: ‘Estou com as crianças, não consigo trabalhar'”, avisa.

“As famílias que podem –e que se desdobram para conseguir isso– têm encontrado satisfação. E crianças vivas! As crianças estavam ficando pasteurizadas no processo de escolarização”, avalia.

É em sua casa, no bairro Demétria, em Botucatu (SP), que Mariana passa a maior parte do tempo. Foi no imóel também que ela pariu os últimos dois filhos em parto lótus, que consiste em deixar o bebê ligado à placenta até que o cordão umbilical caia sozinho, por volta dos dez dias de vida.

Mariana e o marido, Badarik González, têm um estúdio de ioga e criam algumas vacas para produção de queijo. No momento, com um bebê de cinco meses e outro de dois anos, ela tem dedicado seus dias às crianças. As mais velhas fazem aulas de violoncelo, piano, hipismo e são lecionadas em casa por tutores do método Waldorf. Para dar conta dos afazeres domésticos, Mariana conta com ajuda profissional.

“Escolhi criar meus filhos na proximidade para poder fornecer as bases para eles desenvolverem autonomia”, diz. “Autonomia não é a criança ficar sozinha, pelo contrário, é ela ter todo o contato e apoio dos pais até a idade que for necessária”, explica. “É permitir os processos criativos das crianças sem apressar nada.”

“Eles não frequentam escola física, acredito que o processo de escolarização cerceia o pensamento individual”, justifica. “A instituição da escola homogeneizou tudo. Acredito que a gente ganha mais com uma educação não homogeneizada, a nível pessoal”, diz. “Sinto que eles mantêm mais o desejo de aprender –mais do que quando os assuntos são direcionados em uma sala com 30 crianças, ou são, de certa maneira, impostos.”

O convívio dos filhos com outras crianças fica por conta das famílias do bairro. “Moramos num bairro bem ativo, com mais de dois mil moradores, com interesses em comum, eventos culturais. Muita gente vem para cá interessada em plantio biodinâmico e também tem um centro de formação de professores Waldorf”, descreve.

‘FRUTA NÃO CAI LONGE DO PÉ’

Enquanto Mariana ensina outras mães a abolir o uso de fraldas descartáveis, Ana Maria anunciava, na última sexta-feira (10), no Mais Você, a doação de mil fraldas de um patrocinador para as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, em uma ação de Dia das Mães.

Ver a avó pela telinha também não é um hábito que ela cultiva em suas crianças. Mariana limita o acesso a telas e diz ter “aflição” de aplicativos de entretenimento, como Netflix, pela oferta de “muita coisa de qualidade duvidosa”.

Mesmo a mais velha, de 13 anos, não tem celular nem sente falta. “Navegamos um pouco juntas no meu Instagram”, conta. A adolescente tem acesso a um tablet, que usa para afinar o violoncelo e ouvir música no Spotify. Os filmes são escolhidos em família e assistidos em aparelho de DVD. “Nosso diretor favorito é o Hayao Miyazaki”, conta.

“Eles não sentem falta das telas porque são tantas outras atividades. Essa é a grande pena que eu sinto quando vejo tanta criança e adolescente não vivendo essa fruição que o mundo oferece. Estamos privando nossos filhos do melhor, que é a vida em si mesma. Estar na terceira dimensão é muito melhor do que na segunda”, afirma.

Apesar das diferenças com a mãe no quesito estilo de vida, Mariana assegura que as semelhanças são ainda maiores. “Essa história de estilo de vida diferente é balela. A fruta não cai longe do pé. Somos bem parecidas: ela muito atuante no mundo dela, eu no meu. Ela é uma pessoa simples, que gosta de estar em casa, curtir sua casa, seus hobbies. Não é uma mulher de extravagâncias como poderia ser. Somos muito mais próximas do que as aparências poderiam dizer”, avalia.

Mariana também conta que a decisão de se mudar para Botucatu levou em conta a proximidade com a fazenda da mãe, em Bofete, também no interior paulista. Filha de Ana Maria com o economista Eduardo Carvalho, de quem também é muito próxima, Mariana lembra com carinho da infância vivida em São Paulo ao lado dos pais e do irmão, Pedro.

“Nossos finais de semana eram maravilhosos. Ela sempre cozinhou altos rangos, sempre foi de receber muita gente em casa. Era festa de Natal, de Réveillon, aquela fartura… Foi muito gostoso crescer num ambiente assim, de pais liberais e, ao mesmo tempo, tão promotores da nossa autonomia, nunca nos dizendo o que fazer nem como”, conta.

“Viajávamos muito em família, tive uma infância maravilhosa graças à minha mãe e meu pai. Ela sempre autêntica com o jeito dela, sempre fresca, a Ana Maria. Uma mulher maravilhosa, de caráter exemplar”, derrete-se Mariana, desta vez na posição de filha.

HOMESCHOOL É PROIBIDO NO BRASIL, DIZ MEC

Procurado pelo F5, o Ministério da Educação e Cultura afirmou que todas as crianças brasileiras entre 4 e 17 anos devem estar matriculadas em escolas e que a prática de “homeschool” vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente. Veja abaixo o comunicado da pasta na íntegra:

“No Brasil, a legislação educacional estabelece a obrigatoriedade da educação escolar dos 4 aos 17 anos. Desse modo, todas as crianças e adolescentes, de 4 a 17 anos, precisam obrigatoriamente estar matriculadas em uma escola, seja pública ou privada.

Não há na legislação educacional brasileira, nenhuma previsão ou possibilidade de atendimento exclusivamente domiciliar nessa faixa etária. As famílias que não matriculam crianças e adolescentes na escola podem ser responsabilizadas por abandono intelectual, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e podem ser responsabilizadas por estarem criando obstáculos para o exercício ao direito à educação de seus filhos.

As situações que porventura estejam ocorrendo nesse formato devem ser denunciadas ao Conselho Tutelar e acompanhadas pela prefeitura e órgãos de justiça. O Supremo Tribunal Federal (STF) também se posicionou de modo contrário às práticas chamadas de homeschooling pelos seus efeitos negativos no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.”

ANAHI MARTINHO / Folhapress

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