Sem esperança, paulistano revive pesadelo e usa estratégias que aprendeu em outros apagões

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O professor de inglês e tradutor Alberto Gomides, 32, teve que correr para um McDonald’s do bairro da Liberdade, no centro de São Paulo, para carregar seu celular.

Ele dava uma aula online da sua casa, na Aclimação, quando a tempestade atingiu a região metropolitana de São Paulo, por volta das 19h30 da sexta-feira (11). Desde então, está sem energia. Segundo a Enel, 1,6 milhão de clientes seguem sem luz 14 horas após o temporal.

“Achei que ia voltar rápido, mas quando acordei, não tinha luz. Fui subindo a Liberdade para ver se tinha algum ponto comercial aberto para carregar meu celular e estava tudo apagado, incluindo uma padaria que costumo ir. Só tinha energia a partir da rua Galvão Bueno.”

Essa não é a primeira vez que isso acontece. De outras vezes, chegou a ficar um fim de semana inteiro sem energia. Diz estar acostumado e sem esperanças de que a energia volte tão cedo na sua casa. “Tenho um texto para entregar na segunda e já planejo ficar na casa de algum amigo para conseguir entregar.”

No caso de Rafaela Maurer, 30, moradora de Pinheiros, na zona oeste, a falta de energia durante 14 horas afetou profundamente a rotina com seu filho recém-nascido. O bebê acabou de ir para casa após três meses internado na UTI.

“Ele ainda está se adaptando à nossa casa e quase não dorme durante a noite, então eu e meu marido precisamos ficar nos revezando na madrugada. Sem luz foi preciso fazer toda uma adaptação com lanternas e velas”, conta.

No apagão do ano passado, o casal ficou dias sem energia e perdeu tudo que tinham na geladeira.

Como estratégia desta vez, optaram por não abrir a geladeira de início. “Ficamos com medo de acelerar o processo de aquecimento das comidas e a gente perder o que tínhamos armazenado para a primeira semana do bebê em casa.”

Situação semelhante acontece com a advogada Vanessa Ziotti, moradora de Jardim das Camélias, na extrema zona sul. Mãe de trigêmeos autistas de sete anos, ela tem passado por uma situação difícil com as crianças.

Ainda sem energia, conta que, além de ter perdido seis kg de carne na geladeira, a falta de luz desregulou a rotina dos filhos, peça essencial na redução da ansiedade e do estresse em pessoas no espectro.

As crianças se regulam ao tomar banho e, no fim de semana, usam os celulares para jogar, atividades que foram prejudicadas pela situação. “Os meus filhos já se agrediram, já bateram cabeça na parede, já estão sem dormir, já pararam de comer, então estou muito preocupada porque não tem previsão de quando vai voltar”.

No Campo Limpo, na região da rua Yoshimara Minamoto, a luz voltou na madrugada, por volta das 4h. É nesta rua do bairro Jardim Brasília, também na zona sul, que mora a cozinheira Laís Carvalho, 25. Outros imóveis, no entanto, foram afetados. Uma árvore, diz ela, caiu em cima de uma casa na vizinhança.

Já na rua Thereza Mouco de Oliveira, segundo Laís, havia vários telhados danificados e fios soltos, e um poste ameaçava cair.

Ela comemora o fato de que, desta vez, não teve grandes prejuízos. Não foi o caso na época do apagão do ano passado. “Passei dois dias sem luz. Desde então, minha geladeira está funcionando mal. Perdi alguns alimentos também.”

No extremo oeste da cidade, no bairro de Instituto Previdência, apenas parte da casa de Márcia Gregori, 59, está com energia. Duas das tomadas estão funcionando e há luz na sala. Mas a cozinha, área de serviço, a lavanderia, os quartos e banheiros estão no escuro.

“Então não tem água quente, as geladeiras a gente teve que ligar com uma extensão, porque senão ia perder tudo que tem dentro delas. Mas felizmente tem essa fase de luz. Se não tivesse, aí eu não sei o que eu faria”, diz.

Moradora da rua Jacob Maris há 17 anos, ela relata que a região é muito sensível a qualquer intempérie. Ventos fortes e chuvas fazem cair a energia com facilidade.

“Toda vez que dá um ventinho a luz acaba. O bairro existe desde os anos 50 e parece que a fiação foi trocada só parcialmente e algumas coisas não foram atualizadas. Então, qualquer vento, qualquer chuvinha faz a luz cair.”

No ano passado, ela perdeu duas televisões e a geladeira também tem apresentado defeitos. Consumidores e empreendedores que tiveram algum prejuízo com o apagão em bairros da cidade de São Paulo há alguns dias podem receber indenização, caso consigam provar que foram prejudicados pela queda de energia.

Em Paraisópolis, na zona sul, o fornecimento de energia está instável. A luz voltou pela manhã, antes das 11h, e caiu novamente em parte da comunidade, segundo o morador Joildo Santos, do grupo Cria Brasil, hub de comunicação situado no bairro. Ele chegou a entrar em contato com a Enel, que informou que não há previsão para a estabilização do fornecimento.

O temporal deixou ao menos sete pessoas mortas no estado. Na capital, uma árvore caiu em uma feira na rua Professor Nina Stocco, em Campo Limpo, na zona sul, atingindo duas pessoas. Uma vítima teve o óbito constatado pelo médico do Samu no local. A outra foi socorrida ao pronto-socorro da região.

SEM PRAZO

Em entrevista coletiva, a Enel se esquivou de dar um prazo para o religamento da energia em todos os locais. Há moradores de São Paulo há mais de 13 horas sem luz. “Eu não quero passar uma previsão para vocês sobre a qual eu não tenho evidência real de que vamos conseguir atender”, disse o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre.

“A meta é reestabelecer todos os clientes o mais rápido possível, mas temos que trabalhar com as informações que temos, e ainda temos muitas informações chegando”, afirmou.

LUANA LISBOA E LUCAS LACERDA / Folhapress

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