Sem maioria no Congresso, sigla nanica e antissistema pode ser decisiva no Uruguai

MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – O jingle de campanha já estava grudado na cabeça, mas os passos de dança iam desacelerando pelo cansaço quando finalmente o candidato a presidente Yamandú Orsi foi discursar aos apoiadores da Frente Ampla pouco antes das 23h deste domingo (27) em Montevidéu. Havia bem menos ânimo geral do que o que fora projetado.

Ocorre que os mais animados da coalizão de forças de esquerda e centro-esquerda no Uruguai chegaram a pensar que Orsi poderia ganhar já no primeiro turno ou conseguir maioria parlamentar para chegar com mais força ao segundo. Mas o mapa eleitoral conhecido durante a madrugada foi mais complicado que isso.

Yamandú Orsi disputará a Presidência com o candidato governista, Álvaro Delgado, em 24 de novembro, e as surpresas no Congresso tornaram qualquer aposta mais arriscada. A Frente Ampla conseguiu estreita maioria no Senado (16 de 30 cadeiras), de acordo com projeções com base nos dados da Corte Eleitoral.

Já na Câmara, ninguém reuniu maioria. A Frente poderá ter 48 das 99 cadeiras da Casa. Já a Coalizão Republicana, nome dado à atuação conjunta dos partidos Nacional e Colorado, somaria 49 assentos. Como no país o presidente tem poucos instrumentos para governar sem o Congresso, ter maioria é uma carta na manga fundamental.

Com os deputados, ainda houve uma surpresa adicional. O partido nanico e antissistema Identidade Soberana, criado há somente dois anos, conseguiu dois deputados e se tornou a quarta maior força política do Uruguai, atrás, respectivamente, da Frente Ampla e dos partidos Nacional e Colorado.

Possivelmente estará nas mãos desse projeto político, ainda pouco compreendido e destoante em um Uruguai de partidos tradicionais e antigos, negociar a maioria na Câmara.

O prognóstico não é bom: “Somos uma alternativa de ferrenha oposição aos grandes blocos, Frente e Coalizão Republicana, que formam o partido único da nova ordem mundial”, diz o partido.

Fundado por Gustavo Salle, 66, um advogado que já chegou a flertar com a Frente, até que a tornou seu inimigo político, o partido se diz antissistema. Salle diz que anulará seu voto no segundo turno. Ele negou a pandemia de Covid e é contra investimentos externos, que diz que usurpam a soberania.

Em seu programa, defende, entre outras coisas: o fim da Lei Trans, de combate à discriminação; da Lei do Aborto, que assegura a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana de gestação; e da lei que combate a violência contra a mulher. Também quer uma revisão completa do Código Penal uruguaio.

O cientista político Daniel Buquet diz que a entrada do Identidade Soberana cria uma complexidade há mais em um sistema acostumado às coalizões, mas diz que não é novidade que haja esse eleitorado que escolhe dar uma chance ao projeto antissistema. “Houve como um realinhamento do voto insatisfeito com a política tradicional. Nesta rodada, quem conseguiu se tornar atrativo foi esse partido.”

Os partidos esperavam obter maioria clara nas duas Casas para dizer ao eleitor que seriam a melhor opção no segundo turno por terem governabilidade. No caso da Frente Ampla, as lideranças ao menos vendem a ideia de que a coalizão se fortaleceu. Enquanto em 2019 recebeu 39% no primeiro turno, neste 2024 foram quase 44%. São mais de 1 milhão de votos no país de 3,4 milhões de pessoas.

Para a Coalizão Republicana, fica um gosto amargo. No Uruguai estão proibidas as alianças eleitorais, por isso cada força desse bloco governista apresentou seu candidato a presidente, pulverizando os votos. Fato é que somados os votos dessas forças, elas superariam o que a Frente Ampla reuniu (teriam em torno de 47%).

Desse modo, alguns analistas locais dizem que se a direita uruguaia se unificasse num mesmo partido, como o fez a esquerda na Frente, teria muito mais vantagem.

Seja como for, o segundo turno tende a ser apertado. Naquele 2019, o hoje presidente Luis Lacalle Pou venceu por uma diferença menor que 2 pontos percentuais. Do Partido Nacional, Lacalle rompeu uma hegemonia de 15 anos da Frente Ampla no poder. A mesma coalizão que, agora, poderia voltar à Presidência.

Dentro desse emaranhado da esquerda, da mais radical a mais ao centro, quem manteve a hegemonia interna nas vagas no Congresso foi o MPP (Movimento de Participação Popular), a força do ex-presidente José “Pepe” Mujica, que aos 89 e com a saúde debilitada, atraiu todas as atenções ao ir votar e dizer que aquela poderia ser sua última eleição.

Algumas lideranças histórias da Frente dizem que a coalizão poderia ter reunido mais votos, mas que o plebiscito da aposentadoria distraiu suas fileiras de campanha.

A proposta que também foi votada neste domingo havia sido rascunhada pela maior central sindical do país e buscava estabelecer na Constituição novas regras de Previdência. Nem o alto comando da Frente a apoiava, e ela de fato fracassou. Mas alguns braços da coalizão estavam mobilizados na rua para tentar aprová-la.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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