SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eram quase 13h deste domingo (24) quando uma voz no alto-falante decretou: “fechem os portões”. Era sinal de que foi atingida a lotação máxima do Clube da Comunidade Vila Nova Curuçá, conhecido como Piscinão. Do lado de fora na calçada, crianças de maiô e adultos com bebidas protestaram na tentativa de não ficar de fora no terceiro dia consecutivo de calor recorde em São Paulo.
O endereço fica em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, que figura com frequência entre os três bairros mais quentes da cidade, segundo o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências). Na tarde deste domingo, o órgão calculou máxima de 37,5º C no bairro por volta do meio-dia.
Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), São Paulo teve neste domingo o dia mais quente de 2023, com 36,5º C. Também foi registrada a sexta-feira com maior temperatura na capital.
“É a segunda vez desde a inauguração que temos que fechar o portão por causa da lotação”, diz o administrador do clube, Francisco Eduardo, 67.
“Estamos doidos com tanta gente”, continua ele, ao calcular a presença de cerca de 700 pessoas em busca de um domingo à beira da piscina.
O ponto para se refrescar foi construído em 1998 no terreno que pertence à prefeitura, mas tem administração indireta. A cidade dispõe de 255 clubes da comunidade.
“Recebemos muita gente dos bairros vizinhos de Itaquera e Itaim Paulista. Aqui no fundão não tem muita opção de lazer, então a gente se vira como pode”, diz o administrador do clube, que mora há 60 anos na rua do piscinão.
“Quando cheguei, não tinha nada, era um terreno baldio. Construímos a piscina e uma quadra de futebol”, diz.
No horário de pico do calor deste domingo, havia uma fila para acessar a área da piscina. Só entra quem tem uma pulseira amarela fornecida em troca de R$ 20 pelo dia todo no clube.
Em contrapartida pela exploração do terreno público, o endereço tem acesso gratuito aos moradores de São Miguel Paulista durante a semana.
Era difícil encontrar um espaço na borda ocupada por dezenas de crianças com boias que pulavam na água e grupos de amigos que apoiavam os copos de plástico com cerveja e bebidas coloridas.
Na parte de cima, chamada de camarote, as mesas de plástico dividem espaço com churrasqueiras portáteis. Uma dela era ocupada pela família do servidor municipal Manuel Ferreira do Patrocínio, 56, frequentador assíduo.
“Me arrependi de vir aqui hoje. Nunca vi tanta gente na vida”, disse ele, com a mão suja de carvão.
“Tenho 86 baldinhos [para manter as bebidas geladas], e acabaram todos. Meus nove freezeres estavam cheios e, agora, estão quase vazios”, informou o administrador, com certa preocupação diante de tanta gente.
O alto-falante que anunciou a lotação do piscinão também é acionado para anunciar os frequentadores pelos nomes de que os pedidos de porções de batata frita, calabresa e peixe frito estão prontos. Os avisos dividem o som ambiente com uma cacofonia de músicas que vêm das caixas de som ligadas pelos banhistas, cada uma com um som diferente.
No mesmo bairro, a piscina do quintal de Robson de Araújo também estava lotada de pessoas que pagaram R$ 20 para passar o dia. O local, conhecido como Fazendinha, também é usado para eventos.
“Não dá para aguentar tanto calor, só na piscina mesmo. E aqui é o lugar mais próximo”, disse a babá Querciane Silva, 34, que foi aproveitar o dia na casa do vizinho com os três filhos.
“Ele acordou às 5h pedindo para ir à piscina. Não tive escolha, agora ele não sai daí”, disse o pedreiro Fabiano Cabral, 40, apontando para o filho de quatro anos, que estava dentro da piscina lotada.
Ele conta que trabalha na rua e sofreu bastante com o calor dos últimos dias. A capital paulista viveu uma onda de calor fora de época nos últimos dias de inverno que encerrou oficialmente na madrugada deste sábado (23). “Não está calor, está pegando fogo.”
Na feira livre montada aos domingos na mesma rua da casa transformada em clube, o feirante Orivaldo Trindade, 67, comemorava a alta nas vendas de caldo de cana.
“Estamos vendendo 20% mais por causa do calor”, disse. “Este ano está bem mais quente do que os anteriores”, declara ele, que vende caldo na feira há 27 anos.
A difícil missão para qualquer pai de entreter crianças pequenas neste calor fez a dona de casa Cecília Augusto, 35, improvisar uma piscina com uma caixa d’água para refrescar a filha Sara e a sobrinha Elisa.
“Ontem também enchemos a caixa de água senão elas não aguentam”, contou.
O pequeno reservatório costuma ser disputado e suporta até seis crianças de uma vez. “Os filhos dos vizinhos também aparecem”, disse a dona de casa que mora ao lado do piscinão de São Miguel Paulista, mas desistiu de passar o domingo lá por causa da superlotação que deixou a rua congestionada de carros. ”
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress