SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sem televisão ou computador em todas as salas de aula, professores das escolas estaduais de São Paulo estão distribuindo aos alunos folhas impressas dos chamados livros didáticos digitais da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, a Secretaria de Educação, comandada pelo empresário da área de tecnologia, Renato Feder, decidiu que não vai mais usar materiais didáticos impressos na rede estadual e abriu mão de receber livros do governo federal para os anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) a partir de 2024.
Desde abril, no entanto, a secretaria já orientou os professores de todas as séries (do ensino fundamental e médio) a usarem o conteúdo digital produzido pela equipe de Feder. A Folha de S.Paulo teve acesso ao material, que consiste em uma série de slides com conteúdos das disciplinas e atividades a serem desenvolvidas em sala.
Em tese, o material deveria ser apresentado aos alunos em televisões, lousas digitais ou por um projetor. Como nem todas as salas possuem esses equipamentos, os professores têm sido instruídos a imprimir os slides e entregar aos estudantes para que possam acompanhar as aulas.
Enquanto os professores improvisam o uso do material didático, as escolas acumulam livros didáticos, enviados pelo Ministério da Educação, embalados e sem uso por orientação da secretaria.
Em nota, a Secretaria de Educação confirmou que o material digital já foi implementado na rede estadual no segundo bimestre deste ano, mas diz que os docentes não são obrigados a usá-lo.
A pasta reconhece que ainda está “trabalhando para que todas as escolas tenham a infraestrutura necessária” para garantir o acesso de todos os estudantes ao material digital e que, enquanto isso não ocorre, as unidades estão autorizadas a imprimir os conteúdos.
À Folha de S.Paulo, professores relataram que têm sido informados, pela direção das escolas, que o uso do material digital é obrigatório. Eles, inclusive, precisam registrar no sistema da secretaria que acessaram as aulas.
Um professor de uma escola de Fernandópolis contou que tem imprimido os slides, que vai usar na aula, para entregar aos alunos. Ele pede que colem as folhas avulsas no caderno, mas muitos acabam amassando, perdendo ou até mesmo fazendo avião de dobradura para brincar com os colegas.
Outro professor disse que existem televisões disponíveis para serem usadas nas salas de sua escola em Mogi das Cruzes, mas também tem sido orientado a entregar o material impresso para que os alunos possam acompanhar durante a aula e depois estudar em casa.
Segundo ele, sem ter as informações escritas, muitos alunos acabam copiando o conteúdo dos slides no caderno, o que atrasa as aulas.
Para João Marcelo Borges, pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Políticas Educacionais da FGV, ao implementar um material digital sem dar condições estruturais para seu uso, a secretaria está transferindo o custo da implementação para as escolas e professores.
“A escola vai ter que assumir, com a impressão do material, um custo que antes era da União. Imprimir esse volume de material para os alunos vai entrar na conta das escolas, que vão ter que comprar tinta, impressora”, diz.
Ele também destaca a contradição da medida, já que os alunos vão continuar dependendo de materiais impressos, mas, agora, com uma impressão precária. “É um contraste enorme desse fetiche com o digital e à volta da responsabilização da escola com a impressão dos materiais, como faziam anos atrás com o mimeógrafo.”
“O PNLD [Programa Nacional do Livro Didático] foi fortalecido nesses anos todos e gerou uma cultura dentro das escolas, de cuidado e aproximação dos alunos com o livro. É lamentável que São Paulo abra mão dessa prática e volte a improvisar materiais, depois ainda vão culpar o aluno por perder ou fazer bolinha de papel com as folhas impressas”, diz Borges.
Em nota, a Secretaria de Educação disse que o material digital foi elaborado por uma equipe técnica especializada, composta por mais de cem docentes-curriculistas da rede. E que o processo de elaboração seguiu o fluxo comum de outras produções editoriais em âmbito público.
“Em média, cada material de uma aula passa por um ciclo de produção de cerca de trinta dias”, disse a pasta.
Também afirmou que está trabalhando para garantir que “todos os estudantes possam acessar os materiais digitais, por meio da disponibilização de notebooks, tablets, smartphones e computadores”. Questionada, a secretaria não informou se há uma licitação em andamento para a compra desses equipamentos ou se há previsão de quando eles estarão disponíveis para todos os alunos.
ISABELA PALHARES / Folhapress