BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – É questão de ver o copo meio cheio, ou então meio vazio. Javier Milei obteve sua primeira vitória legislativa na Argentina em pouco mais de seis meses de governo nesta quarta-feira (12), ainda que em um escopo bem reduzido do que o que pretendia inicialmente.
Em um dia de fortes tensões no entorno do Congresso na capital Buenos Aires, o Senado do país enfim aprovou a Lei de Bases proposta pelo ultraliberal antes comumente chamada de Lei Ônibus.
Após disputa de voto a voto, a Casa Rosada conseguiu reunir 36 votos. O Senado tem 72 membros, e aprovar a medida exigia maioria de ao menos 37. Com o cenário de empate, coube à vice-presidente Victoria Villarruel, que no país também presidente o Senado, desempatar.
Obviamente, ela votou pela aprovação. “Hoje existem duas Argentinas, uma violenta, outra dos trabalhadores”, disse ela. “Por esses argentinos que sofrem, esperam e não querem ver seus filhos saírem do país, que merecem recuperar seu orgulho, meu voto é afirmativo.”
Foi uma verdadeira maratona de negociações ao longo do último mês e também nesta quarta-feira, quando o debate teve início às 10h16 e se estendeu por todo o dia com longas falas, acusações e trocas de farpas. Os senadores ainda devem votar artigo por artigo do conteúdo.
Logo no início, o governo Milei aceitou retirar a empresa Aerolíneas Argentinas da lista de estatais privatizáveis reunidas no pacote liberal. Era um dos pontos mais sensíveis e alvo de crítica de senadores de províncias mais afastadas da região central do país. Também saíram desta lista os Correios e a Rádio e Televisão Argentina (RTA).
Foi um esforço final da Casa Rosada diante de um cenário complicado no Legislativo. O governo Milei já viu seu pacote, prioridade legislativa, ser desidratado desde o início deste ano. Até aqui, em mais de seis meses de governo, não havia aprovado suas medidas no Congresso.
Mas a baixa de guarda do governo não afrouxou a forte oposição nas ruas. Do lado de fora do Congresso em Buenos Aires, houve amplo confronto entre polícia e manifestantes.
Desde o início do ano, o pacote de Milei foi minguando. Foram amplas negociações, em grande medida comandadas pelo hoje chefe de gabinete Guillermo Francos, com legisladores da oposição dialoguista, aqueles que não integram o kirchnerismo, para obter uma vitória.
Quem olha para a versão final do pacote dificilmente dimensiona seu tamanho inicial, quando Milei o apresentou sem qualquer diálogo com deputados ou senadores. Inicialmente eram mais de 40 as empresas que poderiam ser privatizáveis. De lá para cá, sobraram oito, entre elas a Água e Saneamento Argentinos, ou AySA.
Também foram reduzidas de 11 a quatro as áreas em que haverá uma concessão ao Executivo da capacidade de governar sem o Congresso por um ano: administrativa, econômica, financeira e energética.
Já faz mais de dois meses que a Câmara dos Deputados aprovou com maioria confortável a Lei de Bases. Então, o debate foi ao Senado, mas seguiu travado e sob intensas negociações até ser levado a plenário nesta quarta, com uma verdadeira maratona em forma de sessão.
Entre as vitórias para o governismo, a principal foi ter mantido a aprovação do chamado Rigi, o Regime de Incentivos a Grandes Investimentos, uma proposta da Casa Rosada adendada à Lei de Bases para distribuir incentivos, como anulação de impostos, a empresas que invistam ao menos US$ 200 milhões em áreas como petróleo, gás e mineração. O objetivo é levar dólares à Argentina.
Opositores dizem que esse projeto deixará de lado pequenas e médias empresas; apostará em áreas na contramão do combate à mudança climática; retirará autonomia das províncias nestas decisões e, em certa medida, ferirá a soberania nacional.
Era também contestada uma minirreforma no regime de aposentadorias que derrubaria uma moratória previdenciária que permitia a mulheres se aposentar a partir dos 60 anos mesmo sem ter cumprido os 30 anos exigidos de participação no mercado formal, podendo pagar os aportes que faltavam em pequenas parcelas.
Mas o governo nos últimos minutos aceitou deixar de lado a medida. A Casa Rosada também recuou em sua posição de cortar por completo o financiamento de obras públicas no país.
Por último, Javier Milei ainda poderia eventualmente vetar alterações que a oposição tenha logrado inserir em seu pacote.
Quando em breve tiver sua Lei de Bases em vigor, a Casa Rosada poderá dizer que seus planos econômicos que dependiam do Congresso estão nos trilhos. Afinal, segue vigente o megadecreto liberal de Milei, o DNU, que declara emergência pública e promove uma forte desregulação da economia, revogando ou alterando mais de 300 leis.
Em março a medida foi rechaçada pelo Senado, mas segundo dita a Constituição, ela só será forçada a sair de vigor se também a Câmara a negar. Na Casa, ainda não há previsão de análise do conteúdo.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress