BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (27) o projeto de lei do chamado marco temporal para a demarcação de terras indígenas, tese derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) há menos de uma semana.
A aprovação, por 43 votos a 21, ocorreu menos de cinco horas depois da discussão na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) -onde o placar foi de 16 votos a 10. O texto vai agora à sanção ou veto do presidente da República.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em maio com apoio da bancada ruralista e do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como parte da ofensiva do Congresso contra o STF.
O relator do projeto no Senado, Marcos Rogério (PL-RO), manteve o texto aprovado pela Câmara e rejeitou todas as sugestões de mudança. Ele defendeu que os pontos que extrapolam a tese -como o contato com povos isolados- sejam vetados pelo presidente Lula (PT).
“Se nós fizermos qualquer modificação substancial aqui, essa matéria volta para a Câmara. E aí é uma escolha política. E nós estamos diante de um ambiente de insegurança, inquietação, intranquilidade no Brasil inteiro”, justificou.
Nas últimas semanas, senadores contrários ao marco temporal reconheciam que seria difícil barrar a aprovação do texto em um momento em que o Senado tenta enfrentar discussões em curso no STF -não só sobre este tema, mas também em relação a drogas, aborto e imposto sindical.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), negou mal estar com o Supremo: “Não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o Supremo. É apenas uma posição do Congresso, considerando que nós reputamos que temas dessa natureza devem ser deliberados no Congresso”.
Reservadamente, integrantes da base do governo afirmam que Lula deve enxugar o projeto de lei -eliminando os chamados “jabutis”- e preservar apenas o trecho que estabelece o marco temporal.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse nesta quarta que Lula “fará o que a sua consciência disser”. O senador também afirmou que “não tem dinheiro suficiente” para uma possível indenização da União a produtores rurais que adquiriram terras indígenas regularmente.
“Não tem dinheiro suficiente para pagar indenização com a crise fiscal da qual nós sonhamos em sair. Vai virar tudo precatório? Vai virar tudo o quê? Não sei. Eu só estou querendo chamar atenção que nós não estamos no caminho da solução.”
A bancada ruralista ameaçava obstruir todas as votações na Câmara e no Senado enquanto o projeto de lei não fosse aprovado pelos senadores. O presidente do grupo, deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse que “pode acontecer muita coisa” até uma eventual decisão do STF sobre o projeto desta quarta.
“Se eles [ministros do Supremo] quiserem contestar essa lei, alguém vai ter que pedir, não pode ser iniciativa deles. Alguém vai ter que entrar no STF -imagino que alguém da oposição o fará- e fazer com que haja esse julgamento. Até isso acontecer, pode acontecer muita coisa.”
O relatório de Rogério foi lido na semana passada -horas antes da retomada do julgamento pelo STF. Em agosto, o projeto de lei foi aprovado pela Comissão de Agricultura do Senado por 13 votos a 3, com parecer favorável da relatora, Soraya Thronicke (Podemos-MS).
A tese do marco temporal determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Assim, indígenas que não estavam em suas terras até a data não teriam direito de reivindicá-las.
Na quinta (21), a tese foi declarada inconstitucional pelo Supremo por 9 votos a 2. Movimentos indígenas argumentam que, em 1988, seus territórios já haviam sido alvo de séculos de violência e destruição, e que as áreas de direito dos povos não deveriam ser definidas apenas por uma data.
Por outro lado, ruralistas defendem que tal determinação serviria para resolver disputas por terra e dar segurança jurídica e econômica. A posição foi endossada no STF pelos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça.
Até mesmo senadores a favor do projeto de lei reconhecem que o texto aprovado pelo Congresso vai além da tese. Um dos artigos dá aval para o contato com povos isolados para “prestar auxílio médico ou para intermediar ação estatal de utilidade pública”.
Em outro ponto polêmico, a proposta abre brecha para que terras demarcadas sejam retomadas pela União, “em razão da alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
O texto também possibilita a indenização ao antigo proprietário de terras demarcadas (que não ocorre hoje), veda a ampliação de territórios já delimitados e diz que mesmo os processos em andamento devem considerar a área ocupada em 1988.
Entidades não governamentais criticaram a aprovação do texto. Uma nota assinada por instituições como Comissão Arns e Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) afirmou que a tese do marco “é francamente incompatível com a garantia constitucional do direito à terra dos povos originários brasileiros”.
Já o ISA (Instituto Socioambiental) publicou uma nota técnica argumentando que a aprovação do marco temporal “poderá inviabilizar demarcações de terras indígenas e configura uma das mais graves ameaças aos povos indígenas na atualidade”.
“Sem territórios indígenas bem preservados será impossível evitar o ponto de não retorno da Floresta Amazônica, e isso terá consequências severas para toda sociedade brasileira nas próximas décadas”, afirmou em posicionamento a WWF.
THAÍSA OLIVEIRA E JOÃO GABRIEL / Folhapress