MACEIÓ, AL (FOLHAPRESS) – Separadas por 20 anos, as mortes dos zagueiros Serginho, do São Caetano, em 2004, e Juan Izquierdo, do Nacional-URU, neste ano, são tragédias que guardam semelhanças. Ambos tiveram problemas cardíacos dentro de campo, durante partidas no Morumbi, em São Paulo. O atendimento aos dois, porém, foi diferente, o que evidenciou mudanças que ocorreram nesse tipo de socorro, segundo especialistas.
Nesse período, os protocolos foram alterados. Se, por um lado, apenas o socorro imediato não garante a sobrevivência há uma série de outras variáveis, por outro aumenta as chances do paciente.
Em 27 de outubro de 2004, Serginho, de 30 anos, foi levado para o Hospital São Luiz. O zagueiro caiu em campo e foi atendido pelos médicos de São Paulo e São Caetano, que tentaram reanimá-lo por meio de massagem cardíaca e respiração boca a boca.
Em seguida, ele foi colocado em um carrinho e levado para a ambulância, que estava trancada e sem motorista no momento, num processo que durou pouco mais de três minutos desde a queda foi somente nesse instante que ele recebeu o primeiro atendimento com desfibrilador.
Izquierdo, de 27 anos, cambaleou até cair amparado por um companheiro de time. Foram cerca de 10 segundos até que os primeiros socorristas estivessem ao seu lado, enquanto a ambulância demorou 30 segundos para chegar ao local. Ele morreu nesta terça-feira (27).
Segundo o cardiologista do InCor (Instituto do Coração) Sergio Timerman, que atua nos protocolos de ressuscitação e uso de desfibriladores, houve uma condução ruim no caso de Serginho, o que não se viu no de Izquierdo, especialmente pela velocidade em que tudo foi feito. A cada minuto que passa, diz ele, a chance de morte aumenta em 10% e, após três ou quatro minutos, os danos neurológicos surgem.
“No caso do Serginho, foi muito mal conduzido no começo e obviamente aconteceu o final [a morte]. Já [o caso do Izquierdo,] ao contrário, foi muito bem conduzido. Ele foi atendido rapidamente, a ambulância entrou em campo rapidamente. A parada cardíaca é súbita, inesperada e rápida e tem que ser atendida o mais rapidamente possível. Se você não o faz, há uma possibilidade de morte em questão de minutos”, analisa. No caso de Serginho, por exemplo, o problema cardíaco e a morte foram separados por uma hora.
Na ocasião, a diretoria e equipe médica do São Caetano foram alvos de crítica e investigação por uma suposta negligência à condição do defensor, que teria um problema cardíaco prévio e detectado no início da temporada, conforme confirmado pelo InCor.
No STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), o São Caetano perdeu 24 pontos no Campeonato Brasileiro daquele ano.
Na Justiça comum, a ação foi suspensa porque não havia possibilidade de configurar intenção de morte no caso de Serginho.
Eliel Bezerra, especialista em cardiologia esportiva, salienta que, desde o caso Serginho, “houve melhorias significativas no atendimento a emergências cardíacas em eventos no país”, citando a obrigatoriedade de desfibriladores em estádios e o treinamento das equipes médicas. A triagem cardiológica dos atletas ainda está em desenvolvimento, mas vem ganhando espaço em clubes e seleções de maior destaque, aumentando a segurança dos atletas durante as competições no Brasil.
“Os problemas cardíacos em atletas estão se tornando mais visíveis, não necessariamente mais comuns. Alguns desses problemas são consequência de condições cardíacas hereditárias que podem não ter sido detectadas na avaliação antes da participação esportiva. Além disso, o nível extremo de treinamento e estresse físico a que os atletas de elite são submetidos pode desencadear ou agravar condições cardíacas pré-existentes”, relata.
No Brasil, alguns atletas que tiveram problemas cardíacos detectados tiveram de promover mudanças em suas vidas, como o meio-campista Lucas Leiva, que se aposentou devido a uma alteração cardíaca detectada em exames de rotina. O goleiro Matheus Cavichioli, hoje na Chapecoense, passou por cirurgia no coração para colocar um cateter e desobstruir uma veia entupida. Internacionalmente, o argentino Sergio Agüero se aposentou após sofrer uma arritmia em uma partida do Campeonato Espanhol. Na mesma época, o gabonês Aubameyang e o canadense Alphonso Davies também se afastaram do futebol, mas voltaram a jogar.
A Fifa afirma que houve 617 mortes súbitas no período de 2014 a 2018. Isso indica, segundo Bruno Bassaneze, cardiologista e médico do esporte, que não houve um aumento de casos durante esse tempo, apenas uma cobertura midiática mais enfática, uma vez que atingem também atletas de maior renome mundial.
“O importante é que hoje a taxa de sobrevivência gira em torno de 60%, de acordo com dados de 2018. Antes, era de 20% no máximo. Claro que, apesar da nossa melhora, a gente tem ainda bastante coisa para trilhar, para melhorar e treinar as pessoas para esse reconhecimento e fazer as medidas de forma correta e assertiva, mas a gente melhorou bastante em relação ao passado. A grande mudança é realmente a disponibilidade do DEA [desfibrilador externo automático] em estádios, ambientes do próprio clube e até locais de grande circulação de pessoas”, diz.
De acordo Renata Castro, pós-doutora em cardiologia pela Harvard University e diretora médica do Ipanema Health Club, o procedimento no Brasil é parecido com a orientação europeia. Há uma consulta clínica com anamnese, exame físico, eletrocardiograma e teste ergométrico. Apesar disso, a avaliação pode não coibir todos os problemas, uma vez que esses testes ainda não conseguem detectar todos os problemas relacionados à morte súbita, o que pode ocasionar casos semelhantes ao de Izquierdo.
“Então, esses protocolos não são 100% seguros, e esse é o problema. Sabemos que esses protocolos deixam passar cerca de 30%, 40% das causas de morte súbita. E aí você pode perguntar: ‘Eles são falhos?’. São falhos se a gente pensar que as causas de morte súbita são relativamente raras. Existe uma chance razoável desses atletas, que são raros, passarem nessas avaliações sem serem identificadas essas causas”, complementa.
De Montevidéu, Juan Izquierdo iniciou a carreira profissional em 2018, aos 20 anos, atuando pelo pequeno Club Atlético Cerro, da capital uruguaia. Foi duas vezes campeão uruguaio, em 2022 e 2023, com Nacional e Liverpool, respectivamente.
JOSUÉ SEIXAS / Folhapress