Sequências de ‘Cidade de Deus’ e ‘Estômago’ dão novo olhar a hits dos anos 2000

GRAMADO, RS (FOLHAPRESS) – Dois destaques deste Festival de Gramado são continuações de criações brasileiras dos anos 2000. O diretor Aly Muritiba estreou, no sábado, a série “Cidade de Deus: A Luta Não Para”, que continua a história do filme de 2002. Já no domingo, Marcos Jorge exibiu “Estômago 2: O Poderoso Chef”, sequência do longa lançado há 16 anos.

A série de “Cidade de Deus” mantém boa parte dos atores de 20 anos atrás, incluindo Buscapé –Alexandre Rodrigues–, hoje um repórter fotográfico cascudo, um pouco cansado de emplacar capas do jornal com o crime no Rio de Janeiro. Há novos nomes –Marcos Palmeira é o chefe do crime Genivaldo Curió e Andréia Horta é Jerusa, uma espécie de Lady Macbeth. Casada com Braddock, papel de Thiago Martins, é ela quem impacta a história logo no início.

Com estreia na Max em 25 de agosto, a série, exibida fora de competição, assume a perspectiva feminina. “Quando escolhemos isso, entendi que poderia dar uma visão diferente e uma nova abordagem estética”, afirma Muritiba.

Presente no filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund, a atriz Sabrina Rosa, conhecida pelo filme apenas como “a mulher do Mané Galinha”, reconhece o realismo desse ângulo. “A favela é matriarcal. A série tem um feminino com chacras ativos”, diz Rosa, que interpreta a personagem Cinthia.

A mudança, porém, não confronta aquela que chegou a ser criticada no lançamento do filme, por vezes chamada de “estética da fome”. “Não era a estética da fome, era a realidade da época. A parte superior é que não tinha consciência. ‘Cidade de Deus’ pôs uma lupa na periferia”, diz Roberta Rodrigues, que vive Berenice.

Muritiba afirma que não quis reproduzir um visual latino, mas afrocentrado, com uma paleta ligada ao azul e ao prateado ante o amarelo. “Brancos têm uma fixação com o ouro, um metal maleável, uma liga que quebra facilmente. A gente se interessa pela prata. Na noite, o negro retinto fica com a pele prateada, prata é resistência.”

A mudança de perspectiva em “Cidade de Deus” não deixa o personagem Buscapé, narrador da história, de lado. O mesmo não se pode dizer sobre “Estômago 2”. Quem pretende ver o filme guiado apenas pela nostalgia da jornada gastronômica e grotesca de Raimundo Nonato –interpretado por João Miguel– encontrará algo diferente.

O enredo, antes centrado na sua ascensão e queda pela descoberta dos talentos culinários, agora se divide com a Itália, a máfia e com o ator Nicola Siri, galã conhecido pela novela “Mulheres Apaixonadas”.

No filme, Nonato fica em uma disputa de poder entre o presidiário Etcétera –Paulo Miklos–, que comanda a cadeia, e o mafioso dom Caroglio, recém-chegado, que traz o cozinheiro para seu lado. A história de Caroglio começa na Itália e ganha grandes proporções, além de inspirar referências a “O Poderoso Chefão”, como sugere o subtítulo.

O novo filme é uma obra binacional, o que trouxe mais investimento. Essa divisão de protagonismo, no entanto, gerou desconforto em parte da crítica em Gramado. O ator João Miguel também não compareceu ao festival.

“Eu quis levar o filme para outro lugar, não conseguiria fazer o mesmo filme de novo”, afirma o diretor Marcos Jorge. “Quis mostrar um mafioso que finge para encontrar um lugar no mundo. Os mafiosos de hoje em dia, para saberem como se comportar, assistem a filmes, assistem a filmes do Coppola, Scorsese.”

Entre outras referências, já na abertura, o filme propõe uma tropicalização da abertura de “Chef’s Table”, série da Netflix que usa Vivaldi como trilha para diferentes pratos. Aqui, a música vem servida com um solo de cavaquinho e com a preparação na cadeia, entre ratos e formigas.

Por fim, Marcos Jorge diz que pode amarrar as pontas soltas em um terceiro filme, que provavelmente será bastante diferente deste segundo.

PAULA SOPRANA / Folhapress

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