RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O ex-governador Sérgio Cabral já completava quase seis minutos de discurso elencando suas bandeiras políticas que gostaria de ver representadas no desfile de 2024 da União Cruzmaltina quando decidiu interromper a fala.
“Falei demais. Você vê que há muitos anos eu não falava. Daqui a pouco estão me chamando de Fidel Castro”, disse Cabral, em referência aos longos discursos do ditador cubano.
De microfone em mãos, o ex-governador dançou e ouviu jingles antigos de suas campanhas (“Pra ficar legal / A gente quer o melhor / Sérgio Cabral”) no Calabouço, sede náutica do Vasco da Gama, alugado pela escola de samba que anunciou o ex-governador como enredo para o desfile do ano que vem.
Pouco mais de um mês depois do lançamento do enredo, ele decidiu abdicar da homenagem. A decisão foi tomada após receber recados de que a superexposição estava soando mal em setores do Judiciário, onde tem obtido vitórias recentes.
Em vídeo divulgado nesta sexta-feira (8), ele defendeu como novo enredo São Januário, estádio do Vasco interditado pela Justiça. “É hora de todas as frentes vascaínas, inclusive a escola de samba, de abraçarmos a história do Vasco”, afirmou.
Desde a saída da prisão, em dezembro do ano passado, o ex-governador tem circulado em eventos sociais privados com políticos, advogados e empresários com uma dose de discrição. Nesses encontros, retomou contato com antigos aliados e mantém os novos laços construídos na cadeia.
“Ele tem deixado muito claro, até na postura, que os seis anos absurdos de prisão preventiva não quebraram sua força e capacidade de reagir. Segue firme, vivo e com vontade de participar. Como qualquer ser humano que sai da cadeia, pensa em reconstruir a vida dele”, disse o ex-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Felipe Santa Cruz, que já jantou duas vezes com o ex-governador.
Procurado, Cabral não quis falar sobre a vida após a prisão e a desistência de ser enredo de escola de samba.
Antigos aliados procurados pela reportagem afirmam ver Cabral leve e brincalhão, assim como em seus bons momentos na política. Um deputado aliado comentou, sob reserva, observar também uma dose de “necessidade de autoafirmação” nos sorrisos que o ex-governador tem distribuído nos eventos e nas redes sociais.
É nesses encontros que Cabral fala pouco sobre a prisão e muito sobre planos para o futuro. Repete a intenção de se tornar consultor de campanhas eleitorais. Tem dito que é o melhor no estado a ensinar “o que deve ser feito e o que não se deve”, segundo uma pessoa que ouviu seus projetos.
O ex-governador já fundou sua empresa. É a Cabul Assessoria Empresarial, cujo contrato social prevê assessoria em comunicação e marketing, pesquisa de opinião pública e mercado e gestão empresarial.
A sede da empresa é o apartamento em que Cabral vive, com dois quartos e sala estreita com ampla vista para a praia de Copacabana. Políticos fluminenses estimam que cerca de dez pré-candidatos a prefeito no ano que vem já contam com os serviços do ex-governador.
A atuação política, porém, vai além da empresarial. Ele tem estimulado o lançamento do deputado federal Marcelo Queiroz (PP) como pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro.
O PP faz parte da base do governador Cláudio Castro (PL), que tem como preferido para a disputa o secretário de Saúde, dr. Luizinho (PP). Uma das saídas articuladas por Cabral para Queiroz é a filiação ao PSDB.
“Hoje o candidato do partido e do governador é o dr. Luizinho. Caso isso não se confirme, defendo que seja discutido uma outra candidatura própria para o PP”, disse Queiroz.
O deputado é uma das opções que Cabral tem no Rio de Janeiro para enfrentar o seu principal desafeto na capital: o prefeito Eduardo Paes (PSD), que tentará a reeleição. O ex-governador não esconde a mágoa pelo antigo aliado ter tentado reduzir, depois de sua prisão, a amizade construída entre os dois a mero relacionamento institucional. Eles ainda não se falaram desde sua soltura.
Luiz Fernando Pezão (MDB), outro forte aliado do período de governo fluminense, também mantém distância. Os dois se cruzaram no velório do senador Francisco Dornelles, em agosto, mas não se falaram. Cabral se queixou do ex-governador por não ter atendido pedidos que julgava justos de melhorias na prisão.
Ele também não teve ainda contato com o presidente Lula (PT), outro forte aliado no período de governo. O mais próximo que estiveram foi no mês passado, quando o petista se hospedou no Hotel Fairmont, na praia de Copacaba na, em frente ao apartamento do ex-governador.
Apesar da distância, Cabral não escondeu o sorriso ao ouvir de dois políticos fluminenses que o petista perguntou, em momentos distintos, sobre como estava o ex-governador e lembrar as parcerias entre os dois. Numa das conversas, chamou de perseguição o tempo de prisão preventiva imposto ao ex-aliado.
O grupo político que ascendeu no estado enquanto Cabral esteve preso também o vê como conselheiro. O presidente da Assembleia, Rodrigo Bacellar (PL), mantém conversas periódicas com o ex-governador, a quem já convidou para sua casa em Teresópolis. O deputado nomeou Marco Antônio Cabral, filho do ex-governador, para um cargo em seu gabinete e deve apoiá-lo na candidatura a vereador.
Cláudio Castro também já ouviu conselhos e elogios do antecessor no cargo após sua saída da prisão.
Cabral não reserva seus conselhos apenas ao alto escalão da política fluminense. Recebe também antigos amigos do interior e até novas amizades construídas na cadeia. É o caso de Dheiverson Alves, com quem conviveu em Bangu 8, e atualmente é pré-candidato a vereador em Guapimirim.
“Sempre que parava para conversar com o Sérgio [na prisão], nunca conseguia ficar só dez minutos. Além de rever meu amigo, pedi para que me ensinasse”, disse ele, que desde maio recorre em liberdade da condenação pela morte de quatro pessoas num acidente de trânsito.
Além das conversas sobre política, Dheiverson também passou séries de exercícios com halteres improvisados com água em Bangu 8. Cabral manteve a rotina de malhação e, atualmente, expõe as atividades nas redes sociais.
“Falei para ele: ‘Governador, você pode ser um digital influencer. O senhor vai influenciar muita gente’. As pessoa vão pensar: ‘Se o Sérgio, que ficou tanto tempo preso, conseguiu se reeducar na questão de saúde, porque eu não posso?'”
O ex-governador também auxilia parentes de PMs que conheceu na última unidade prisional em que esteve. Ele já viabilizou atendimento médico privado para um policial e conseguiu para outro agente um advogado em Brasília para recursos nos tribunais superiores.
Até a semana passada, o plano mais imediato era a organização do desfile da União Cruzmaltina na avenida Intendente Magalhães, o equivalente à Série C do Carnaval carioca. O enredo seria: “De degrau em degrau: a descoberta de um novo Cabral”.
Em reunião na última segunda-feira (4) com o policial militar Rodrigo Brandão, presidente da agremiação, Cabral desistiu da homenagem.
A rotina de digital influencer e o enredo da União Cruzmaltina levantaram especulações no mundo político sobre as intenções políticas de Cabral. Apesar da liberdade e das recentes vitórias na Justiça, o ex-governador ainda está impedido de registrar candidatura em razão da Lei da Ficha Limpa.
Duas das 21 condenações que ainda permanecem válidas já tiveram decisão definitiva por órgão colegiado. Ele ainda enfrenta 33 ações penais em diferentes estágios e com graus distintos de viabilidade após os questionamentos sobre a atuação do juiz Marcelo Bretas, atualmente afastado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Entre contratações, articulações, conselhos e rancores, o “novo Cabral” tem dito a interlocutores que os seis anos e um mês de prisão, o mais longo da Lava Jato, o ensinaram a ter paciência. Costuma comentar ter ainda 60 anos e cita a volta de Lula à Presidência aos 77.
Nessa nova fase, diz se inspirar na resiliência da capital do Afeganistão após inúmeros conflitos. Cabul dá nome à sua nova empresa.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress