SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Kurt Russell busca já há algum tempo uma forma de trabalhar com o filho, o também ator Wyatt Russell. Ofertas não faltam, mas os dois queriam algo interessante para a colaboração. Nas palavras dos dois, a ideia precisava ser desafiadora.
Foi o que eles julgaram quando veio o convite para a dupla participar da série “Monarch: Legado de Monstros”. A produção, que estreia nesta sexta no Apple TV+, chama a atenção por ser um programa de TV do Godzilla, o icônico monstro japonês dos cinemas. Segundo a família Russell, o mais instigante foi a oportunidade de pai e filho interpretarem o mesmo personagem em cena.
Isso porque a história do seriado criado por Chris Black e o quadrinista Matt Fraction se passa em duas épocas. Nos anos 2010, a ação acontece logo depois dos eventos de “Godzilla”, filme de 2014 que inaugurou essa encarnação do personagem nos Estados Unidos. Mas também há cenas nos anos 1950, momento em que essas criaturas gigantes os kaiju são vistas pela primeira vez nesse universo.
Pai e filho vivem na série Lee Shaw, um soldado no passado e um veterano aposentado no presente. O militar acompanha de perto a criação da Monarch, organização secreta do governo que monitora os kaiju ao longo dos filmes que incluem “Godzilla vs. Kong”, hit de 2021.
“Era algo muito diferente”, diz Kurt Russell sobre o papel. “Eu nunca fiz algo assim e não conseguia pensar em alguém na nossa posição, um pai e um filho trabalhando no mesmo papel.”
Enquanto Shaw na série é a chave para o público entender o que é a Monarch, os dois intérpretes se viram analisando um ao outro para o personagem. O pai acompanhou o filho no início das gravações para entender como o filho estabeleceria o papel, estudando os tiques que faria 50 anos no futuro.
“Para a gente, não era um negócio de pai e filho, mas sim o de fazer a mesma pessoa”, diz o ator de 72 anos. “Nós precisávamos usar nossas idiossincrasias e eu tinha que observar o Wyatt criar um personagem para depois assumi-lo.”
Os Russell comparam o trabalho ao ato de abrir a caixa de Pandora, em especial porque os episódios foram escritos ao longo das gravações. Mas a imagem também define o desafio dos criadores com a história. Os últimos filmes de Godzilla e King Kong foram guiados pelo estilo, desde a sobriedade do longa de 2014 até as pinceladas de anime do de 2021.
Para resolver o problema, Chris Black e Matt Fraction decidiram ir atrás de uma visão de fora aos eventos mostrados nos cinemas. Embora a série se chame “Monarch”, a trama mostra a organização do lado de fora, como um mistério a ser desvendado.
“Nos filmes, você está sempre dentro da Monarch. Você sabe quem eles são e acompanha seus líderes e soldados”, diz Black. “Mas nesse universo, 99,9% da população não os conhece. Elas são as pessoas que veem um ser gigantesco destruir as cidades onde moram e não entendem o que está acontecendo.”
Segundo Matt Fraction, esse ângulo permitiu à série caminhar com as próprias pernas. “A gente achou um foco nos personagens conforme eles aprendem sobre a organização. Isso nos permitiu contar uma história.”
“No fim do piloto, quando um dos personagens no presente se pergunta o que é a Monarch, nós comemoramos”, complementa Black. “Essa é a pergunta que precisa ser feita pelo público. Se ele sabe a resposta, ótimo, ele já está inteirado no programa. Mas se o espectador não sabe, ele vai descobrir junto dos personagens.”
Assim, embora o seriado se inicie logo após os eventos de “Godzilla”, o olhar de “Monarch” é outro. Mesmo quando a produção revisita cenas dos filmes, seu interesse mora com os personagens e como eles reagem à presença daquelas criaturas.
Quem confirma a tese é Sean Konrad, supervisor de efeitos visuais da série que esteve envolvido nos filmes solo do Godzilla. “O diretor de fotografia [de Monarch], Jess Hall, disse ainda no começo da produção algo que virou nossa filosofia a gente tem que estar tão perto da ação que podemos sentir o seu cheiro”, diz ele.
“Isso é bastante diferente do que Gareth Edwards [diretor de Godzilla] queria no filme. Ele queria deixar as criaturas tão grandes que não teria como elas caberem no enquadramento. Nosso desejo, agora, era que o público se sentisse ao lado dos personagens nesses momentos.”
No centro de todo esse jogo, há Lee Shaw, que faz a ponte entre as histórias do passado e do presente o que aumenta a pressão para os Russell. “Ele é o único personagem que está em toda a trama. Nosso trabalho era torná-lo interessante para deixar a série interessante”, diz Wyatt Russell.
O trabalho de pai e filho envolveu até Matt Shakman, diretor dos dois primeiros episódios da série. “Nós três nos reunimos logo no começo para entender quem esse personagem era e o que cada um deles poderia trazer de bom a ele”, diz o cineasta, que trabalhou mais com Wyatt nas filmagens.
“Os dois são atores de estilos muito diferentes, mas precisavam construir uma mesma pessoa.”
Pai e filho dão risada quando confrontados com a declaração de Shakman eles afirmam ver mais semelhanças que oposições entre si. Mas suas explicações sobre como se prepararam para viver o personagem confirmam aos poucos a visão do diretor. O que é idêntico na família Russell, em suas próprias palavras, é o comprometimento com o trabalho.
Wyatt Russell, por exemplo, lembra de acompanhar o pai em suas reuniões quando criança e diz se inspirar nessa dedicação. Mas ele afirma que sua passagem pelas ligas amadoras do hóquei de gelo o ajudou na carreira, consagrada em filmes como “Jovens, Loucos e Mais Rebeldes”, de 2016, e “Operação Overlord”, de 2018.
“Esse passado no esporte me ajuda a encarar tudo por uma perspectiva de preparação”, diz o artista. “Ao meu ver, se você se organizar direito antes, você sabe como tudo vai se desenrolar e só precisa esperar que as peças se encaixem.”
Já o pai, além do estudo do filho, se viu diante do desafio de voltar a trabalhar em uma série. A última vez que Kurt Russell apareceu na TV foi há quase 50 anos, quando foi indicado ao Emmy pela cinebiografia “Elvis Não Morreu”, de 1979.
O filme, feito para a emissora ABC, estreou a parceria do ator com John Carpenter, com quem marcou o cinema dos anos 1980 com produções como “Fuga de Nova York”, de 1981, e “O Enigma de Outro Mundo”, de 1982.
Mas as condições agora eram outras. “Eu nunca tinha feito um projeto em que eu não sabia a minha última fala na história”, afirma o ator, que declara ter ficado impressionado com a velocidade da produção. “A gente se movia em um ritmo incrível na pré-produção, mesmo a equipe equilibrando o que pareciam ser 27 bolas no ar.”
Essa velocidade e volume de pessoas no set os dez episódios foram divididos entre cinco diretores é normal na TV, mas preocupou o artista, habituado aos sets menos agitados do cinema.
“Wyatt e eu não podíamos nos dar ao luxo de expressar novas ideias, porque não queríamos criar um problema na continuidade dos episódios. Isso não é limitante, é uma forma de estabelecer parâmetros, mas deixa as coisas mais difíceis. É muito diferente de se fazer um filme de uma hora e 45 minutos, é como fazer cinco longas de uma só vez.”
Os dois atores agora se preparam para vir ao Brasil. Kurt Russell e Wyatt Russell participam da CCXP no próximo dia 3 de dezembro. No evento, eles vão discutir a série junto a Chris Black, os atores Anna Sawai, Kiersey Clemons e Ren Watabe e os produtores executivos Tory Tunnell e Joby Harold.
MONARCH – LEGADO DE MONSTROS
– Onde Estreia na Apple TV+ em 17/11; novos episódios às sextas
– Classificação 12 anos
– Elenco Kurt Russell, Wyatt Russell e Anna Sawai
– Produção Estados Unidos, Japão, 2023
– Criação Chris Black e Matt Fraction
PEDRO STRAZZA / Folhapress