Sertanejo, com hit do verão, ostenta herança e férias de luxo em Balneário Camboriú

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um caubói recebe uma herança do pai em terras e gado, mas prefere “pé na areia do que pé no capim”. No fim do ano, pega a caminhonete para curtir o verão em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Essa história é narrada em “Descer pra BC”, música cantada por Brenno & Matheus com o DJ Ari SL e que se tornou o grande hit do país na virada do ano. O sucesso, na linha do agronejo, tem batidas de música eletrônica e funk no sertanejo, e traz novas temáticas ao gênero —a figura do herdeiro e a praia, em especial a catarinense, como desejo.

“O pessoal do agro gosta da ostentação, né?”, diz Ari SL, que além de produtor também é um dos autores de “Descer pra BC”. “Geralmente o caubói é o cara da corrente de ouro, caminhonete grande e no rolê todo mundo fica de olho nele. E Camboriú é um lugar chique, badalado, então pensamos que o caubói indo à praia ficaria legal.”

A letra da canção, diz o DJ, veio após ele ver postagens sobre desfiles de Dodge Ram —caminhonetes caras— na cidade. “Havia espaço para uma música que falasse disso e sermos abraçados pelos influenciadores, uma forma de entregar o nosso trabalho.”

“Descer pra BC” chegou ao topo da lista de mais ouvidas do país no Spotify, onde está há mais de um mês. Ela vem numa leva de composições de Ari SL com o parceiro João Dalzoto sobre caubóis, praia e ostentação. Começou com uma música ainda inédita, “Peão que te Sustenta”, retrato de um caubói que ganhou dinheiro com bets e vai curtir o verão na praia bancando o luxo das mulheres.

Além dela, o DJ gaúcho assina “Litorando”, que saiu como parte da temporada de lançamentos de verão do selo AgroPlay. A empresa paranaense, criada para agenciar Ana Castela, é o principal nome por trás do agronejo, e tem também Luan Pereira e Leo & Raphael.

“O primeiro AgroPlay Verão, de 2022, foi gravado em Camboriú”, diz Raphael, cantor e sócio da gravadora. “Tentamos unir o cenário do agro com a praia. Imergimos ali, não com a música falando diretamente de praia. Antes, não lembro de nada da nossa turma do chapéu tendo uma ligação tão grande com o litoral.”

Este ano, um dos sucessos do AgroPlay Verão é um funk cantando por Ana Castela com o MC PH, “Jet em Balneário”, já com quase 6 milhões de plays no Spotify. É mais uma música a retratar caminhonetes caras e Camboriú.

“Principalmente a turma do Paraná e de Santa Catarina vai muito a Camboriú”, diz Leo, da dupla com Raphael. Ele cita a estrutura da cidade como chamariz, e descreve o clima de festa. “Hoje já está proibido botar caixa de som na areia, mas se você passar lá às 5h da manhã, ainda vai ter gente.”

É também o metro quadrado mais caro do Brasil. “Nessa época do ano, muitos moradores não ficam lá. Alguns alugam os próprios apartamentos que podem chegar, sei lá, a R$ 10 mil a diária. Tenho amigos que compraram apartamento lá por R$ 700 mil, deram uma reformada e, em dois anos, vale R$ 2 milhões.”

Balneário Camboriú é chamada de “Dubai brasileira” e tem os prédios mais altos do país. É célebre pelo turismo de luxo e nos últimos virou um reduto de eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de ser considerada uma espécie de capital conservadora do Brasil.

Apesar de ser a segunda menor cidade do estado em área territorial, Camboriú sediou no ano passado o CPAC Brasil, a Conferência de Ação Política Conservadora, que se classifica como o “maior evento conservador do mundo no Brasil”. Ele é organizado pelo Instituto Conservador Liberal, presidido pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Empresário ligado a esse campo político, Luciano Hang, dono da Havan, mandou um jato da empresa ir ao Paraná buscar Brenno & Matheus, os cantores de “Descer pra BC”, com quem gravou vídeos para as redes sociais. E a música também foi tema de uma participação de Ari SL no canal do MBL, o Movimento Brasil Livre, no YouTube, em que o DJ afirma que a composição tem uma mensagem contra o comunismo.

“Tenho que falar sério agora que estou na Folha. Vi um corte do Renan [Santos, do MBL] xingando a música, e mandei no Instagram um áudio cobrando”, diz Ari. “A gente combinou de eu entrar bravo na live, aí inventei uma história mirabolante, como se eu tivesse feito uma obra-prima. A letra é muito simples, nossa intenção era fazer algo divertido que o povo gostasse. Não pensei em nada de crítica social, foi totalmente na zoeira.”

Após a participação do DJ no vídeo, o integrante do MBL afirma que há algo de conservador na música —uma defesa da herança. Ari, que despontou tocando funk em festas universitárias, diz que ele e Dalzoto não teorizaram muito. “Pensamos que seria algo diferente de falar, que não tinha sido feito antes. Geralmente [nas letras] o caubói trabalha e conquista o dinheiro para gastar em festa. Só achamos diferente e que valia a pena o risco.”

Eles exploraram a temática em outra música recente, “Tantão”, interpretada por Us Agroboy, também do estilo agronejo, e Brenno & Matheus. “O povo me pergunta como é que eu tô/ O vô deixou herança e nós triplicou/ Vários hectares lotados de plantação/ Tem apê na praia, tem gadinho e tem mansão”, diz a letra.

No sertanejo —e até mesmo no agronejo—, o homem do campo costuma ser retratado como um trabalhador. Na música “Roça no Topo” —que empresta as batidas e os signos do discurso de superação do funk, em que alguém da favela subverte a falta de oportunidades para ascender socialmente—, Us Agroboy e Leo & Raphael cantam sobre alguém que trabalhou muito e “hoje é só cerveja e churrasco”.

“Pra quem já andou de pampa falhando/ Hoje tem caminhonete do ano/ Camarote e whisky derramando/ Novinha descendo e o PIB subindo/ Produção de soja, passamo os gringo/ Agropecuária tá tinindo/ Viver no interior é lindo/ É a roça no topo vencemo de novo e os playba chorou/ É o nosso alimento que enche a boca desses falador”, diz a letra.

Cantar sobre herdeiros, ainda mais nesse filão jovem e festeiro do sertanejo, parece natural. O Brasil é um dos países com maior concentração de terras no mundo. No último Censo Agropecuário, divulgado pelo IBGE em 2017, os estabelecimentos com mais de mil hectares, que representavam 1% das propriedades agrícolas do país, ocupavam quase metade da área rural brasileira.

Ao longo dos anos, essa concentração tem crescido. No estudo do IBGE, o Índice de Gini, que mede a desigualdade do tamanho das propriedades, foi o maior da série histórica, monitorada desde 1985. O processo também foi acompanhado por uma crescente concentração de renda. Em relação a 2006, ano do censo anterior, a receita total dos estabelecimentos da agricultura familiar cresceu 16%, contra 69% nos demais estabelecimentos.

Leo, da dupla com Raphael, e que também é dono de terras, defende que a ostentação do agronejo é “para mostrar que o povo da roça não é coitadinho”. “Não é para aparecer, mas mostrar ao Brasil, ao povo que não tem esse conhecimento, que o agronegócio é um ramo milionário. Uma fazenda é uma grande empresa.”

Uma caminhonete sempre custou caro, ele diz, mas o agronegócio nos últimos anos cresceu demais. “A tecnologia evoluiu muito, e isso foi agregando nos preços. Hoje, é difícil um cara se tornar fazendeiro. Se você gastar R$ 20 milhões para comprar uma fazenda, para ela te dar R$ 30 mil por mês, qualquer negócio te dá mais. Porém, tem a valorização da terra, né? Se pagou R$ 20 milhões, daqui a cinco anos ela já vale R$ 30 milhões. Cada vez tem menos terra, e tem muita terra na mão de poucos. É assim que funciona.”

Esteticamente, para Leo, o sertanejo incorpora as batidas do funk como uma evolução do gênero. “Antigamente, foram introduzidos metais no sertanejo, depois vieram as guitarras, e foi quebrando barreiras”, ele diz. “Hoje o sertanejo tem reggae, funk, eletrônico… É um ritmo popular porque não tem preconceito.”

Em relação às letras, diz o cantor, o sertanejo segue uma tradição de retratar o seu tempo. “Nos anos 1970, falava de carro de boi, de boiada, porque era o que tinha na época. Agora, falar que as mulheres descem até o chão, e a gente falar do agro-ostentação, é o que a gente vive na atualidade” diz Leo. “O sertanejo mudou? Não, foi o mundo.”

LUCAS BRÊDA / Folhapress

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