SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sete vereadores da Câmara Municipal de São Paulo que assinaram o requerimento para abrir uma investigação sobre as ONGs que atuam no centro da capital retiraram seu apoio após o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, ter sido apontado como principal alvo.
Nesta sexta-feira (5), os parlamentares Milton Ferreira (Podemos) e Beto do Social (PSDB) emitiram nota em suas redes sociais em que afirmaram terem pedido para remover suas assinaturas do protocolo.
No dia anterior, foi a vez de Sidney Cruz (Solidariedade), Nunes Peixeiro (MDB), Thammy Miranda (PL), Xexéu Tripoli (PSDB) e Sandra Tadeu (União Brasil) declararem posição contrária à abertura da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
O líder do governo, Fábio Riva (PSDB), e o vice-presidente da Câmara, João Jorge (PSDB), afirmaram que avaliam retirar o apoio à CPI.
Em comum, os vereadores desistentes alegaram terem sido enganados pelo autor da CPI, o vereador Rubinho Nunes (União Brasil). No requerimento, segundo eles, não havia nenhuma menção ao pároco. “O objeto em momento algum traz menção ao padre Júlio Lancellotti”, disse Sidney Cruz em entrevista à TV Globo nesta sexta.
“Com relação à CPI do vereador Rubinho, fui enganado pois assinei para uma CPI sobre ONGs, não especificamente sobre o padre Júlio Lancellotti”, escreveu Beto do Social em sua página no Instagram. “Não consta em nenhum documento que essa CPI seria para atingir o padre Júlio”, escreveu Milton Ferreira na mesma rede social.
De acordo com o vereador Nunes, 25 parlamentares assinaram o requerimento para a instauração da investigação no começo de dezembro. Caso as desistências sejam confirmadas, a adesão à proposta se distancia ainda mais do requisito mínimo de 28 assinaturas para ser votada em plenário. Antes, era preciso convencer mais três vereadores e, agora diante da repercussão, o trabalho de convencimento será maior.
O texto do requerimento faz menção a investigação de ONGs “que fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento aos grupos de usuários que frequentam a cracolândia”. O nome do padre não aparece no documento.
A tentativa de instauração da CPI ocorre mais de um ano após a dispersão da cracolândia pelo centro da cidade, o que mobilizou grupos de moradores e comerciantes ao longo de 2023 para exigir providências da prefeitura e do governo estadual.
Antes de ser votada, a proposta deve ser avaliada pelos integrantes do Colégio de Líderes, o que está previsto para a primeira semana de fevereiro, quando a Câmara volta do recesso de fim de ano. O presidente da Câmara, o vereador Milton Leite (União Brasil), foi procurado mas não quis comentar o assunto.
Caso seja aprovada, a instauração da CPI é votada em plenário em duas rodadas. A primeira irá avaliar a abertura de uma nova CPI e a segunda qual proposta será aprovada. São necessários 28 votos favoráveis em cada uma.
O vereador Nunes explicou que a investigação das ONGs que atuam no centro da cidade foi uma sugestão dos moradores da região, principalmente, os que vivem no entorno da cracolândia. Segundo ele, as entidades são acusadas de se beneficiar do aumento da população de rua por meio de repasses e doações.
Líder da Pastoral do Povo de Rua, padre Júlio Lancellotti se tornou alvo principal da proposta de CPI porque representa uma das principais lideranças em relação à questão dos sem-teto na cidade. O religioso mantém um projeto social que distribui refeições a moradores de rua na paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca, zona leste da cidade.
O padre relatou que recebeu muitas manifestações de apoio após a notícia de que seria convocado para depor em uma CPI. “Isso é uma perseguição”, disse.
Ex-integrante do MBL (Movimento Brasil Livre), o vereador Nunes é ex-companheiro de movimento de Arthur do Val, o Mamãe Falei, que teve o mandato de deputado estadual cassado em maio de 2022 após vazar vídeo em que ele emite falas sexistas sobre mulheres ucranianas refugiadas.
Mamãe Falei foi condenado pela Justiça Eleitoral a apagar vídeos em seu canal no YouTube em que atacava o padre Júlio durante as eleições municipais de 2020, quando Val era candidato à Prefeitura de São Paulo. Nos vídeos, ele chamava o religioso de “cafetão da miséria”.
Apesar das manifestações contrárias à abertura da CPI, Nunes disse que não irá ceder. “Os cidadãos têm o direito de saber sobre a atividade dessas ONGs”, diz.
Um dos reveses mais contundentes partiu da Arquidiocese de São Paulo que se disse perplexa com a abertura de uma CPI em que o padre Júlio aparece como alvo. Arcebispo de São Paulo, o cardeal dom Odilo Scherer, também saiu em defesa do pároco, apesar de ter afirmado não ter intenção de abafar a CPI.
Houve reações também do cantor Chico Buarque que assinou um manifesto em defesa de Lancellotti. O documento foi elaborado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade estudantil da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
ENTENDA A TENTATIVA DE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR CONTRA O PADRE JÚLIO
O vereador Rubinho Nunes (União Brasil) elaborou um requerimento de abertura de CPI para investigar as ONGs que atuam no centro da cidade, principalmente na cracolândia, em novembro do ano passado. Para a criação da CPI ser votada em plenário, são necessárias 28 assinaturas. Segundo o parlamentar, 25 colegas firmaram o documento em dezembro, e o tema seria analisado após o recesso parlamentar, em fevereiro.
Nesta quinta-feira (4), Nunes postou um vídeo em sua página no Instagram em que acusa o padre de explorar a miséria no centro de São Paulo. “As ONGs esquerdistas se multiplicaram no período. Agora, elas querem boicotar a CPI que vai investigá-las”, escreveu. A postagem gerou reação de vereadores que se dizem apoiadores do trabalho do padre e retiraram apoio à criação da CPI.
VEREADORES QUE RETIRARAM APOIO
– Milton Ferreira (Podemos)
– Beto do Social (PSDB)
– Sidney Cruz (Solidariedade)
– Nunes Peixeiro (MDB)
– Thammy Miranda (PL)
– Xexéu Tripoli (PSDB)
– Sandra Tadeu (União Brasil)
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress