SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Teia de aranha com orvalho pela manhã. Andaime para subir na pupunheira. Escudo de proteção contra espíritos. Pintura facial para ter um rosto feliz. Os títulos dos desenhos e pinturas de Sheroanawe Hakihiiwe são capazes de criar pequenos universos no pensamento de quem vê suas obras e funcionam como uma tradução de sua arte majoritariamente abstrata.
Indígena yanomami natural da região do Alto Orinoco, na porção venezuelana da Amazônia, Hakihiiwe ganha agora sua primeira exposição institucional no Brasil, depois de obter ampla projeção internacional. “Sheroanawe Hakihiiwe: Tudo Isso Somos Nós” reúne no Masp, o Museu de Arte de São Paulo, 48 trabalhos do artista, entre desenhos, pinturas e monotipias, a partir desta sexta-feira (30).
É uma amostra de uma obra dedicada a criar um registro visual dos rituais, das tradições e dos saberes dos yanomami, um povo frequentemente ameaçado por garimpos, pela poluição de rios ou mesmo por doenças levadas pelo homem branco.
Boa parte da arte de Hakihiiwe é referencial e indireta, não uma representação mimética da realidade. Por exemplo, três pequenos desenho vermelhos na forma da letra “v” posicionados na horizontal lembram as patas de aves. Uma aquarela de dezenas de pequenos círculos que formam eles próprios um círculo maior significa o canto dos xamãs. As telas têm poucos elementos, geralmente em uma só cor.
Um dos destaques da exposição é uma série de seis desenhos em grandes formatos com símbolos que os yanomami pintam sobre o corpo e sobre o rosto, seja em momentos de festa ou em rituais funerários. O artista repete os elementos gráficos e os organiza de forma linear na tela, transferindo para o papel algo originalmente pensado como um ornamento para a pele.
“Para muitas dessas populações a arte nunca foi vista como algo fora do corpo, como um objeto produzido por alguém, e sim algo que é feito para transformar o próprio corpo, que está intimamente relacionado à individualidade e à coletividade”, afirma David Ribeiro, um dos organizadores da exposição.
O aprendizado do fazer os grafismos sobre o corpo é passado de geração em geração. Hakihiiwe conta que aprendeu a desenhar com sua mãe, e que sua comunidade se pintava para ter alegria e ficar bem. Além disso, segundo ele, muitos dos desenhos da exposição são frutos de suas vivências na floresta, a exemplo de uma tela com folhas verdes repetidas. “Eu gosto de pintar o que vejo”, ele afirma.
Nascido em 1971, Hakihiiwe começou a pintar na década de 1990, auxiliado pela artista mexicana Laura Anderson Barbata, que o ensinou a produzir papeis com fibras vegetais nativas, como cana, algodão, banana e milho, alguns dos quais podem ser vistos na exposição. O artista também usa tinta natural nas cores preta e vermelha, as mesmas das pinturas corporais.
Hakihiiwe teve uma grande vitrine internacional no ano passado, ao participar da mostra principal da Bienal de Veneza. Em 2022, ele também fez parte da exposição coletiva “Les Vivants”, na Fundação Cartier, em Paris, depois de apresentar individuais em outros países nos anos anteriores. O que na obra deste indígena conquista o circuito estrangeiro?
A beleza e o impacto visual de seu trabalho, e a maior presença de artistas indígenas em exposições de projeção são dois fatores que ajudam a responder a esta pergunta, afirma André Mesquita, outro dos organizadores da mostra no Masp.
Mesquita destaca ainda o aspecto formal de um trabalho que não se encaixa facilmente nas definições ocidentais. “Ele parece ter uma obra que a gente pode considerar minimalista, mas a gente não está falando desse minimalismo que está na história da arte.”
SHEROANAWE HAKIHIIWE: TUDO ISSO SOMOS NÓS
Quando Até 24 de setembro; terça, das 10h às 20h; quarta a domingo, das 10h às 18h
Onde Masp – Avenida Paulista, 1578, São Paulo
Preço R$ 60; grátis às terças
JOÃO PERASSOLO / Folhapress