Silvero Pereira não quis conhecer Maníaco do Parque para gravação de filme

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa tarde quente deste começo de primavera, o cãozinho estava ansioso para passear, mas teve que esperar o “corta” do diretor Mauricio Eça para sair do edifício Dorinnha, que dá frente para a praça Dom Orione, no Bixiga (zona central de São Paulo). Bem na altura do portão do prédio, uma cena aparentemente corriqueira interrompia a calmaria habitual da região durante a semana.

Na calçada, a jovem que passava era abordada por um rapaz com calças largas, camiseta curta por cima da de mangas longas e com um par de patins pousado no ombro. Ele oferece a ela um trabalho: fazer fotos para um catálogo. Ela diz que não tem experiência —ele diz que não precisa. Apertada de grana, ela fica tentada ao saber que receberia R$ 1.500.

Não fossem as dezenas de pessoas acompanhando com atenção e a vasta quantidade de equipamentos ao redor, ninguém repararia que ali estava ocorrendo uma gravação. No caso, a do filme “Maníaco do Parque”, que está sendo produzido pela Santa Rita Filmes para a Amazon Prime Video.

O longa reconta a história do motoboy Francisco de Assis Pereira, cujos crimes ganharam manchetes de jornais de todo o país em 1998. Enquanto a seleção brasileira tentava alcançar o pentacampeonato na Copa do Mundo da França, ele assassinava mulheres.

Seu modus operandi era justamente se passar por caça-talentos, oferecendo trabalhos de modelo para convencer as vítimas a irem com ele até o Parque do Estado (na zona sul da capital paulista) com a desculpa de fazer uma sessão de fotos em meio à natureza. Chegando lá, elas eram atacadas, estupradas, mortas e tinham os corpos escondidos no meio da mata.

Apesar de constar em todas as listas de crimes mais lembrados (e midiáticos) do Brasil, o ator Silvero Pereira, 41, escolhido para dar vida ao personagem, conta que não acompanhou o caso com tanto interesse na época. “Eu estava saindo do interior do Ceará para a capital para fazer faculdade, para me tornar profissional em arte; estava focado em outra coisa”, lembra. “Então, não faz parte da minha história.”

Amante do gênero true crime, porém, ele não teve problema em se debruçar sobre o amplo material disponibilizado pela produção —o que incluiu material inédito da série documental “O Maníaco do Parque: A História Não Contada”, que está sendo produzido em paralelo ao longa ficcional. Quatro sobreviventes do serial killer dão depoimentos.

“Eu também tive acesso a longas entrevistas do Francisco, então, basicamente, a construção veio de ouvi-lo e construir essa mimese”, conta o ator, que preferiu não conversar pessoalmente com o retratado, que segue preso na penitenciária Orlando Brando Filinto, em Iaras (interior de SP).

“Não fiz questão de conhecê-lo, acho que não seria saudável”, afirma. “Além disso, não conhecer o Francisco pessoalmente me dá a possibilidade de, enquanto artista, ter o meu momento ficcional também”, avalia. “O roteiro não é 100% realista, ele tem uma estrutura ficcional, até porque tem personagens ficcionais.”

Ele se refere a personagens que foram criadas para ajudar a narrativa, como a jornalista investigativa Elena (Giovanna Grigio), que no filme se debruça sobre o caso. “É muito interessante perceber que a Giovanna é a grande protagonista do filme, e eu sou o antagonista dessa história”, antecipa. “Acho que o objetivo aqui é dar voz para as mulheres.”

Esse, aliás, foi um dos motivos de ter aceitado o convite para o filme. Conhecido por papéis que põem em xeque as definições binárias de gênero, Silvero diz acreditar que o filme não o tira do caminho que tentou trilhar na carreira.

“De certa forma, ele me leva no mesmo lugar de todos os projetos, do que eu acredito enquanto arte, transformação, movimento, questionamento e provocação social”, afirma. “É um cara que violenta essas mulheres, sim, mas a composição artística e a produção desse trabalho tenta enaltecer essas mulheres e dizer o quão esse cara realmente foi violento, agressivo e nocivo à sociedade.”

Ele também destaca o fato de ser seu primeiro protagonista no cinema, além da possibilidade de ser enxergado de outra forma no mercado. “Será a imagem do Silvero tirado desse lugar do LGBT, do militante. Então, me dá essa possibilidade de fazer o que a gente gosta no nosso ofício, que é de se transformar, ser diverso, fazer vários personagens.”

Na tela, a composição da imagem inclui ainda uma caracterização que toma até duas horas por dia de filmagem —para ganhar as sardas características, entre outros aspectos físicos para aproximá-lo do Francisco da vida real. “Fora as manutenções de sobrancelha, que eu tenho que fazer a cada dez dias. E aí é colocada fio a fio. Então isso leva quase 5 horas para ficar pronto”, conta.

Qualquer desconforto nesse processo, no entanto, fica fácil diante do desgaste gerado pelas cenas em que precisa executar as violências de seu personagem. “A gente bota uma carga emocional muito forte na cena”, afirma Silvero. “E óbvio que a gente leva um pouco disso para a vida, porque queremos imprimir a emoção mais verdadeira possível.”

Ele diz que as cenas de violência foram realizadas em conjunto com as coordenadoras de movimento e de intimidade do filme, na tentativa de que se tornassem menos pesadas de realizar. “Em nenhum momento a gente machuca o outro”, conta. “Quem faz a força é o outro, não sou eu. Isso nos dá uma segurança no set e faz com que a gente construa essa impressão da realidade.”

Além disso, há uma psicóloga à disposição e foi criada uma rotina para os atores se distanciarem dos personagens depois de as cenas mais violentas serem rodadas. “Quando acaba a gravação, procuro uma coisa que me traga um sentimento de leveza, de alegria”, afirma ele.

Para Bruna Mascarenhas, que interpreta a personagem Cristina (que junta características de mais de uma das vítimas de Francisco e era a moça abordada pelo assassino serial na cena descrita no começo deste texto), as cenas foram gravadas com muito profissionalismo e a parceria com Silvero foi fundamental.

“Não vou dar spoiler, mas tem uma cena que foi bem pesada de fazer”, conta. “Todo mundo ficou em silêncio e, depois que cortou, continuei concentrada. O Silvero me olhou, veio na minha direção, e a gente só se abraçou e chorou um pouco. Quando cheguei em casa, tomei uma hora de banho ouvindo pagode dos anos 90. E é isso, é nosso trabalho se envolver, estar 100% na emoção, mas também sair 100% dela.”

A atriz, que era criança quando os crimes ocorreram, conta que soube na adolescência da repercussão do caso e lamenta o julgamento sobre essas vítimas por supostamente terem aceitado ir com um desconhecido para um lugar ermo, sem que outros aspectos fossem considerados. “Eu me perguntava como é que eu podia honrar a vida dessas mulheres?”

Por isso, ela diz que tentou preencher o passado da personagem, imaginando onde ela estava antes de chegar no momento em que aparece no filme e o que a levou àquela situação. “O que mais pega pra mim é que foi real”, afirma. “Saber que foi real acaba comigo. Desde o princípio, eu falava: ‘Nossa, mano, alguém passou por isso que a gente está gravando aqui.”

Por isso mesmo, a atriz diz não conseguir ser favorável à soltura de Francisco, programada para ocorrer em 2028 —apesar de ter sido condenado a cerca de 270 anos de prisão, a legislação brasileira não permite que ninguém fique preso por mais de 30 anos. “Isso é uma coisa que me deixa preocupada mesmo”, conta ela.

“Eu sou super a favor da ressocialização, né? Se pessoa pagou, ela tem o direito de sair, tem o direito de reconstruir a sua vida. Mas existem casos e casos. E, nesse caso, acho que tem que ser pensado com muito cuidado e parcimônia, porque a gente não quer que isso se repita mais uma vez.”

VITOR MORENO / Folhapress

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